«Abandonemos hoje os habituais limites na análise da crise e façamos uma pergunta radical: E se a crise de 2008 significa algo muito mais grave que uma profunda recessão? E se for um aviso de que todo o modelo de crescimento que desenvolvemos nos últimos 50 anos for económica e ecologicamente insustentável e que o que foi em 2008 que esbarrámos numa parede – quando a Mãe Natureza e o mercado disseram: “Acabou.”
Criámos um sistema de crescimento que depende de construirmos mais e mais lojas para vender mais e mais quinquilharia fabricada em mais e mais fábricas na China, alimentadas por mais e mais carvão que originará mais e mais alterações climatéricas mas proporcionará mais e mais dólares à China com os quais comprará mais e mais U.S. T-bills[2] para que a América tenha mais e mais dinheiro para construir mais e mais lojas e vender mais e mais quinquilharia para dar emprego a mais e mais chineses...
Não podemos continuar a fazer isto.»
mesmo concordando e admirando a forma sintética como aprecia a situação, não pude deixar de sorrir e de recordar o importante papel que teve na difusão e na defesa de muitas das teses neoliberais que nos conduziram até à beira do abismo.
É que se Thomas Friedman preferiu a figura de estilo da “cabeçada na parede” eu prefiro a da “beira do precipício” pois não estou tão seguro que os dirigentes mundiais que até aqui nos conduziram não nos guiem levianamente até à queda, seguindo as mesmas teses que ele próprio difundiu em alguns dos livros que publicou[3], onde embora revelando já preocupações de natureza ambiental não deixou de fazer a apologia dos interesses das grandes multinacionais e da liberalização dos mercados.
As dúvidas que agora coloco, tal como já o fiz noutras ocasiões, não resultam de qualquer juízo “a priori” relativo ao autor, mas fundamentalmente do enorme risco que correremos se seguirmos de forma acrítica propostas de soluções que pouco mais fazem que iludir-nos com cenários paradisíacos, mas de cuja execução não poderemos esperar senão “mais do mesmo” – mais artifícios criadores de riqueza sem qualquer sustentabilidade num tecido produtivo forte e sustentável (do ponto de vista financeiro e ecológico), aprofundamento do modelo de desenvolvimento baseado na concessão de cada vez mais crédito, mais desigualdade na distribuição da riqueza produzida.
Para agravar estas perspectivas apenas falta referir que piedosas intenções deste jaez pretendem ser aplicadas por uma plêiade de políticos cuja única real preocupação é a da sua perpetuação na esfera do poder e cuja dependência dos poderes económico e financeiro é por demais conhecida e que, tal como os opinantes, encontram-se entre os principais responsáveis pela situação que atravessamos.
Mas se a incapacidade na detecção e implementação de soluções que efectivamente servissem a vasta maioria das populações e a falta de visão dos actuais políticos (os que ocuparam ou ocupam os lugares de decisão) nos conduziram efectivamente ao ponto em que estamos, aconselha uma mudança de soluções, então, as possíveis soluções que nos conduzam à saída desta crise devem ser procuradas fora do círculo de pensadores que ajudaram a originá-la e a condução das estratégias deverá, forçosamente, ser entregue a outros que não os que serviram para nos conduzir até à beira do precipício.
Se a crise aparenta tal gravidade que torna cada vez mais urgente uma mudança de paradigma, iremos continuar a dar ouvidos aos ideólogos e aos políticos responsáveis pelos caminhos trilhados, ou parafraseando o poeta[4] diremos:
«Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!»
e procuraremos quem nos ajude a definir um novo paradigma de desenvolvimento, baseado numa economia real, solidária e sustentável, ao invés da apologia do etéreo financeiro e do lucro a qualquer custo.
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[1] Thomas Friedman é um escritor e jornalista, laureado três vezes com o Prémio Pulitzer, o equivalente ao Nobel para o mundo do jornalismo.
[2] T-bills, também designados por Treasury Bills (títulos do tesouro), são títulos de dívida pública emitidos pelos EUA, de maturidade muito curta (no máximo um ano) que não pagam juros – tal como os chamados títulos de cupão-zero – resultando a sua remuneração do facto de serem vendidos a desconto (abaixo do valor nominal) e amortizados ao par. São normalmente considerados como os títulos de risco mais reduzido.
[3] As suas obras mais conhecidas são: «THE LEXUS AND THE OLIVE TREE», «O MUNDO É PLANO» e «QUENTE, PLANO E CHEIO», os dois últimos com edição portuguesa.
[4] A referência é, obviamente, a José Régio, pseudónimo literário de José Maria dos Reis Pereira, professor liceal (no Liceu de Portalegre) e um dos fundadores da revista "Presença".
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