Mais do que discutir sobre um sistema político-constitucional que foi desenhado para dificultar a formação de governos monopartidários (e este tema bem que merece vir a ser tema de um próximo “post”), ou para analisar o “braço-de-ferro” entre Tzipi Livni (a líder do Kadima, o partido mais votado nas eleições do princípio do mês) e Benjamin Netanyahu (o líder do Likud, o segundo nas eleições, com apenas menos um deputado que o Kadima), talvez o mais interessante seja avaliar os possíveis efeitos da futura participação no governo de um partido de extrema-direita (o YISRAEL BEITEINU, de Avigdor Lieberman).
Para boa parte da imprensa ocidental este parece ser o grande “terror”, como se no quadro da fragmentada política israelita não fosse habitual a participação nas coligações governativas de grupos de extrema-direita. É certo que existirá a novidade de um grupo extremista (e para mais laico) vir a assumir um papel fundamental na formação do governo e na sua viabilização no Knesset, mas isso terá um impacto dramático no desenrolar da actividade governativa?
Do ponto de vista palestiniano e árabe a ideia é a de que o governo que Netanyahu não deverá representar uma significativa diferença para o anterior executivo, onde pontificava o KADIMA (partido oriundo da ala direita do LIKUD, mas classificado como de centro-direita) e o AVODA (partido trabalhista, de centro-esquerda), tanto mais que a passagem de Netanyahu pelo governo de Tel-Aviv (entre 1996 e 1998) até nem constitui um dos períodos de maior afrontamento entre judeus e palestinianos, o que mesmo assim estará longe de significar que as relações entre os dois povos possam registar alguma melhoria significativa.
Esta parece ser, desde o início do conflito israelo-palestiniano, uma das questões chave e das que mais tem sido explorada pelos membros mais radicais das duas comunidades; desde os sionistas mais fervorosos que persistem no sonho do Grande Israel[1] e defendem a expulsão para a Jordânia de todos os palestinianos, até aos grupos árabes que defendem a eliminação total do estado de Israel, há mais de um século que o ódio á alimentado entre as partes. Alternando períodos de confronto aberto – como a guerra israelo-árabe de 1948, a guerra dos seis dias, em 1967, e a guerra do Yom Kippur, em 1973, a primeira guerra do Líbano, em 1982, e a primeira Intifada (levantamento nos territórios palestinianos ocupados, em 1987) – com outros de alguma acalmia, o conflito israelo-palestiniano evoluiu desde a expulsão dos palestinianos das suas terras até à assinatura dos Acordos de Oslo em 1993, no respeito pelo princípio definido por Israel da troca de “terra por paz”.
O assassinato de Yitzhak Rabin (o primeiro-ministro israelita que assinou um acordo com Yasser Arafat) por um extremista judeu, em 1995, foi um claro sinal de que o objectivo destes era bem diferente do de uma política de apaziguamento e de entendimento; o impasse da cimeira de Camp David (entre Ehud Barak Yasser Arafat), o eclodir da segunda Intifada e a eleição de Ariel Sharon, foram outros tantos sinais de agravamento do clima de apaziguamento, que nem a retirada dos colonatos judaicos da Faixa de Gaza inverteu.
Verdade se diga que se do lado palestiniano sempre houve grupos que não se resignaram a aceitar a presença judaica e um deles, o Hamas venceu mesmo as eleições de 2006, do lado israelita a própria política de estado deixou muito a desejar quanto a uma maior serenidade e sentido das responsabilidades (a eleição de Ariel Sharon, apontado como responsável pelos massacres dos campos de refugiados palestinianos de Sabra e Shatila, foi precedida de uma verdadeira manobra de afrontamento quanto à soberania sobre Jerusalém Leste, território que os palestinianos consideram a sua capital natural) e nunca procurou solucionar o problema candente da expansão dos colonatos judaicos na Cisjordânia.
Já com Ehud Olmert (o sucessor de Ariel Sharon) como primeiro-ministro a comunidade internacional assistiu a duas sangrentas incursões israelitas no Líbano (segunda guerra do Líbano, em 1996) e na Faixa de Gaza, em finais de 2008, sem que uma ou outra tenham resultado em significativos ganhos, contrariamente ao que até então sucedera com as anteriores intervenções militares.
Fragilizado no plano político interno, vendo as suas opções militares criticadas de forma cada vez mais aberta pela comunidade internacional e alvo de acusações de corrupção Ehud Olmert anunciou o abandono do governo, cedendo o lugar à ministra dos negócios estrangeiros, Tzipi Livni. Não tendo esta conseguido reerguer a coligação que sustentava o governo, realizaram-se eleições no princípio deste mês das quais resultou o regresso de Netanyahu ao poder.
Enquanto no lado judaico se vivia esta situação, do lado palestiniano a conjuntura também não foi a mais propícia ao fortalecimento de um sentimento de paz e segurança. Desde o início da segunda Intifada (como resposta imediata à provocação de Ariel Sharon) que a situação política palestiniana não tem parado de se degradar. Primeiro devido ao generalizado sentimento de afastamento entre os mais jovens (e directamente envolvidos na Intifada) e as elites dirigentes da OLP (sob a liderança do líder histórico Yasser Arafat), que rapidamente evoluiu para acusações de corrupção. Com a morte de Arafat, ocorrida em Novembro de 2004, e ascensão ao poder de Mahmud Abbas o clima de críticas e disputas internas agravou-se até às eleições legislativas de 2006, o Hamas (movimento islâmico e grande rival da laica OLP) foi o grande vencedor. Com a OLP a dirigir a Autoridade Palestiniana[2] e o Hamas a constituir um novo governo que o Quarteto para a Paz[3] e o governo de Israel torpedearam sob os mais variados pretextos, cedo a situação evoluiu para um crescendo de confrontações entre partidários da OLP e do Hamas que culminou com um confronto aberto que ditou a expulsão da OLP da Faixa de Gaza.
Neste cenário de grandes divisões internas é natural que as tentativas de aprofundamento do processo de paz não tenham registado grande sucesso, até porque do lado israelita nunca se interrompeu o processo de extensão dos colonatos e se deu mesmo início à construção de um muro de separação entre os territórios palestinianos sob administração da AP e de Israel, e comecem até a surgir um número crescente de vozes a alertar para a falência da solução “dois povos-dois estados”.
Para quem tenha lido os “posts” «NOVAS IDEIAS PARA A PALESTINA», «CONTRIBUTOS E OBSTÁCULOS PARA A PAZ – I» e «CONTRIBUTOS E OBSTÁCULOS PARA A PAZ – II» não constitui grande novidade a argumentação apresentada neste artigo do CHRISTIAN SCIENCE MONITOR que atribui o fracasso da solução a:
- o constante crescimento dos colonatos (na data dos Acordos de Oslo haveria menos de 110.000 colonos israelitas na Cisjordânia, contra os actuais 275.000, instalados em quase duas centenas e meia de colonatos estrategicamente distribuídos no interior daquele território palestiniano);
- a deliberada fragmentação do território palestiniano graças a políticas de construção de estradas de acesso exclusivo aos colonos, de construção de barreiras de segurança em torno daqueles colonatos e da instalação de bloqueios e postos de controlo (mais de seiscentos controlos que registaram um crescimento superior a 70% desde 2005) que, a pretexto da segurança daqueles colonatos, tornam impraticáveis as deslocações dos palestinianos dentro do seu próprio território e aumenta ineficiência de uma economia que pouco ultrapassa a de sobrevivência;
- a deliberada expansão dos subúrbios judeus de Jerusalém Leste (território árabe ao abrigo das decisões da ONU) por forma a isolar aquela que devia ser a capital do estado palestiniano do resto da Cisjordânia;
e chama mesmo a atenção para recentes declarações do presidente israelita, Shimon Peres, de que qualquer tentativa para evacuar os colonos poderá resultar numa guerra civil...
Quando parece cada vez mais difundida a ideia de que a solução de criação de um estado palestiniano é inviável – e a responsabilidade pelo fracasso da iniciativa podendo ser atribuída aos dois lados (especialmente às franjas mais radicais) não pode deixar impunes os políticos israelitas que ao longo de décadas criaram todas as condições para a expansão e instalação de colonatos em territórios que não lhes pertenciam, enquanto iam negociando medidas para a pretensa instalação de um estado palestiniano e dinamitando todas as reais hipóteses de funcionamento da economia e até da vida diária dos palestinianos – que outras soluções são apresentadas?
A coexistência pacífica dos dois povos, segundo o princípio de uma “cooperação simpática”, que a maioria dos judeus descarta por considerar inevitável a dominação dos palestinianos, mais que não seja em resultado das leis naturais da demografia, ou o agravamento da situação de “apartheid” que já hoje se vive nos territórios ocupados.
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[1] Ver, a propósito, os “posts”: «…NÃO PODEMOS IGNORAR» e «O MÉDIO ORIENTE E OS LOBBIES JUDAICOS».
[2] Entidade criada ao abrigo dos Acordos de Oslo, o seu primeiro presidente foi Yasser Arafat, e que constituía o governo dos territórios palestinianos sobre a sua administração.
[3] Designação do grupo de países (EUA, UE, Rússia e ONU) encarregue de mediar a aplicação dos acordos israelo-palestinianos e sobre cuja actuação reflecti no “post”: «O QUARTETO E PALESTINA».
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