quinta-feira, 3 de julho de 2008

JORNALÍTICOS OU POLISTAS?

Com maior ou menor esforço lá acabamos por ficar agarrados ao televisor para mais uma entrevista do primeiro-ministro.

Encenações à parte (quem não reparou no estilo sóbrio e modernaço de um Sócrates de discurso calmo e contido, bem coadjuvado pela maior acutilância da Judite de Sousa e pela moderação do José Alberto Carvalho), esta entrevista serviu sobretudo para confirmar o início da corrida às legislativas de 2009 e para responder, na hora, à entrevista que Manuela Ferreira Leite fizera na véspera. Contrariamente a esta, Sócrates mostrou-se melhor informado (até houve o cuidado de num “directo” pouco antes do início da entrevista proporcionar ao primeiro-ministro a oportunidade de mostrar que apenas trazia uns pequenos apontamentos) e com aquilo que os políticos que almejam o poder tanto gostam de se revelar: melhor sentido de Estado.

Durante o tempo da entrevista Sócrates até se mostrou preocupado com os pobres dos seus concidadãos que vivem cada vez pior; disse que até gostava de fazer melhor, se pudesse, mas a malfadada crise internacional não deixa… disse também que, contrariamente ao que afirmou a nova líder do PSD, existem estudos para fundamentar a viabilidade das grandes obras projectadas pelo seu governo (o NAL e o TGV), não existe é quem os leia, e a maior parte do investimento que os vai suportar será de natureza privada.

Relativamente às grandes obras públicas, o que José Sócrates não disse, nem nenhum dos entrevistadores lhe perguntou, é:
· se ele faz a mínima ideia de que os estudos que fundamentam o esgotamento próximo da capacidade do Aeroporto da Portela se baseiam num preço do petróleo na casa dos 40 dólares por barril (cerca de um terço do valor actual);
· qual a redução previsível no tráfego aéreo mundial face ao novos preços do petróleo e quais a consequências no aumento da “durabilidade” da Portela;
· quais os reajustamentos na rede de alta velocidade (AV) que quase seguramente a UE vai introduzir em consequência do aumento dos custos do petróleo;
· quais as contrapartidas (nomeadamente na fixação de preços) que o governo português vai oferecer às empresas privadas que vão construir a nova rede de barragens hidrológicas;

também ninguém o questionou directamente quando verteu algumas lágrimas de crocodilo a propósito da degradação das condições de vida dos portugueses, nem quando (praticando o mesmo tipo de politiquice de que acusou a oposição) leu perante as câmaras as propostas do PCP de aumentos de salários e de pensões, de congelamento de preços dos combustíveis e dos bens essenciais, de limitação dos encargos com a aquisição de habitação própria e da fixação do horário semanal máximo de trabalho nas 35 horas, sobre aquela que é a verdadeira essência da degradação das condições de vida das populações – é que há cerca de 50 anos que o modelo de distribuição de riqueza entre quem investe e quem trabalha não tem parado de desfavorecer os trabalhadores por conta de outrem.

A dura realidade que os políticos nacionais, europeus e estrangeiros nem sequer equacionam é que há décadas que têm vindo a permitir que a esmagadora maioria dos seus eleitores venha trabalhando cada vez mais (aumento das cargas horárias de trabalho) enquanto empobrece a ritmo acelerado.

Em resumo: foi interessante voltar a constatar quanto os meios de comunicação se encontram cada vez mais enfeudados aos mesmos interesses que suportam aqueles que nos governam. É que em momento algum os jornalistas (designo-os assim porque parece que é essa a qualidade em que foram contratados pela sua entidade patronal) que entrevistaram o primeiro-ministro lhe colocaram qualquer questão que o pudesse embaraçar ou que revelasse que têm alguma ideia própria sobre os temas abordados.

Foi pena!

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