quarta-feira, 25 de junho de 2008

ISTO É DE DEIXAR QUALQUER UM GAGO…

Realizada que foi ontem uma reunião para debater/esclarecer a proposta de construção de um estabelecimento prisional entre as povoações de Paço dos Negros e Marianos, constato hoje, tristemente, que o maior destaque dado ao evento foi o da divisão entre os seus participantes[1].

Não que aquele facto não tenha sido uma realidade, mas porque isso não traduz um geral sentimento de dúvida, senão de contestação aberta.

Para entendermos melhor tudo isto talvez se justifiquem duas ou três breves referências aos contornos e ao desenvolvimento do projecto:

Primeiro – estarão as autoridades locais cientes que além da proposta de implantação da construção em terrenos que integram a Herdade dos Gagos (propriedade da Junta de Freguesia de Fazendas de Almeirim, na qual se encontra instalada uma das maiores manchas nacionais de sobreiros cuja viabilidade futura o projecto porá em risco) acarretar o derrube de uns milhares de sobreiros[2], ainda haverá que contemplar a necessidade de restituir os fundos comunitários empregues nos processos de reflorestação e adensamento da mata de sobro por não cumprimento integral do estipulado nos programas AGROS e AGRI, ao abrigo dos quais foram realizados aqueles melhoramentos?

Segundo – estarão as populações locais conscientes da profunda mistificação que constitui o anúncio de contrapartidas como a melhoria da assistência média, o usufruto de instalações desportivas, os potenciais ganhos para o comércio local, o aumento da oferta de emprego e a melhoria das acessibilidades e de transportes públicos na medida em que os estabelecimentos prisionais não estão dotados de especiais instalações de saúde nem de outras, o movimento originado pelas visitas aos detidos representam estadias de muito curta duração (uma hora ou duas semanal), os estabelecimentos prisionais deslocam-se com a sua própria mão-de-obra especializada e a indiferenciada que emprega é constituída pelos próprios detidos que, esses sim poderão até concorrer com algumas pequenas actividades locais e que se houver melhoria no serviço de transportes públicos este ocorrerá apenas nos dias e às horas de início e fim dos períodos de visitas?

Terceiro – estarão os eleitores do concelho conscientes da gravidade da actuação da Câmara Municipal de Almeirim e da Junta de Freguesia de Fazendas de Almeirim quando, à revelia dos restantes eleitos, optaram por apresentar a decisão como um facto consumado?

Como se este processo não justificasse profundas dúvidas face à enormidade da proposta de derrube de uns milhares de sobreiros, ainda acresce a total falta de transparência e de informação que o tem rodeado. Mesmo admitindo que os autarcas de Almeirim procurem apenas minimizar o efeito negativo que notícias menos fundamentadas pudessem originar, o nível actual de “ruído” e uma quase total ausência de informação por parte daqueles a quem foi confiada a gestão autárquica, ou seja a defesa dos interesses dos munícipes, é além de profundamente condenável fomentador de maiores e mais graves suspeitas.

Se os Presidentes da Câmara e da Junta de Freguesia estivessem conscientes das vantagens que resultariam da instalação de um estabelecimento prisional, não teriam seguramente dúvidas (nem enjeitariam a oportunidade para procurar capitalizar ganhos políticos) em anunciar aos seus munícipes as condições em que estarão a negociar o acordo com o Governo.

Ou será que existem inconfessáveis contrapartidas envolvidas em todo este “negócio”?

O secretismo e as “manobras” perpetradas na Assembleia de Freguesia que aprovou a proposta de instalação na Herdade dos Gagos deixam antever o pior, tanto mais que o mandato em curso desta equipa autárquica tem primado por “casos” e “tricas” quer entre as forças políticas representadas na Assembleia Municipal quer entre as que registaram vereadores eleitos.

Iniciativas da natureza desta não podem ser decididas nas costas dos munícipes e, pior ainda, no secretismo dos gabinetes autárquicos e/ou ministeriais. Instalar uns milhares de presos[3] em qualquer região deverá merecer sempre uma cuidada ponderação das respectivas vantagens e dos inconvenientes, sem subterfúgios nem mentiras, porque não estão apenas em causa questões de natureza psicológica (a priori ninguém gosta de viver próximo de uma prisão ou de um cemitério) mas principalmente questões de natureza securitária (a proximidade do estabelecimento prisional deverá atrair o pouco desejável comércio de drogas), de sanidade pública (é sobejamente conhecida a existência de patologias infecto-contagiosas entre as populações prisionais e embora a propagação para o exterior não seja um acontecimento normal essa eventualidade não pode ser descartada) e económicas (será que as vantagens resultantes do crescimento de algum pequeno comércio local são superiores às desvantagens originadas).

E já agora, permitam-me mais uma dúvida. Andando há algum tempo no ar a possibilidade de privatização dos serviços prisionais, a peregrina ideia defendida pelo Presidente da Câmara de Almeirim não será apenas uma forma muito interessante de entregar à iniciativa privada algo mais além dos 42ha de sobro agora em questão?

É que com tanto secretismo e tantas negociações de bastidores, tudo isto pode ser bem mais profundo do que aparenta!
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[1] Quer o jornal regional O MIRANTE, que escolheu para título da notícia um eloquente: Nova prisão divide população de Paço dos Negros e Marianos, quer o matutino PUBLICO, que assegura no cabeçalho da peça que dedica ao tema: Almeirim: população dividida sobre construção do estabelecimento prisional, quer a RÁDIO RENASCENÇA, que na sua página na internet optou por um mais sintético: Prisão divide população, não deixaram de salientar aquele facto e até O RIBATEJO, que chamou para o título uma das afirmações proferidas por Moita Flores: “Prisão pode ser boa, se for bem negociada”, não deixa de salientar no desenvolvimento que: «os populares «...» pareceram divididos quanto à aceitação da construção de uma cadeia próxima destas duas aldeias do concelho de Almeirim».
[2] De acordo com a informação disponível que refere a desafectação de uma área de 42ha (30 para o edifício prisional e 12 para o indispensável perímetro de segurança) e a informação prestada na reunião de ontem pelo agrónomo convidado – Engº Carlos Arraiolos, que foi o responsável pela reflorestação da área – de que a densidade das árvores plantadas na herdade ronda os 135 pés/ha, fácil e torna concluir que o número de sobreiros a abater será superior a 5.000.
[3] As notícias que têm vindo a público referem uma população prisional a instalar da ordem dos 800 indivíduos, mas durante a reunião de ontem Moita Flores esclareceu que para tal bastaria uma área da ordem dos 10ha, o que leva a supor que no final o número de detidos deverá situar-se próximo dos 2.500.

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