Muito se tem dito e escrito, nos últimos dias, sobre a questão e o mais interessante é que tudo indica que esta transcendente descoberta ocorreu após a passagem dos líderes dos dois maiores partidos portugueses (PS e PSD) pelos estúdios de dois canais de televisão. Agora não há canal televisivo que não se desdobre em debates, mesas-redondas, entrevistas e eu sei lá que mais, a todo o tipo de individualidades e grandes entendidos nacionais em matéria de economia.
O engraçado é que só fazendo tábua rasa das várias análises e comentários, nacionais e internacionais, sobre o desenrolar da situação mundial e nacional, produzidos no último ano e de que a Internet em geral e a blogoesfera em particular é um perfeito espelho, é que os mais distraídos ou desinteressados poderão dizer que “só agora é que a crise chegou”. Um bom exemplo[1] disto mesmo é um artigo de Nicolau Santos, publicado pelo EXPRESSO, no qual aquele apresenta uma breve (e discutível) súmula do conjunto dos acontecimentos que nos conduziram a esta situação.
Depois daquele “pas de deux” entre Manuela Ferreira Leite e José Sócrates[2], com a primeira a dizer que o país não tem dinheiro para os grandes investimentos anunciados pelo governo (como se nos tempos em que ela foi ministra nos governos de Cavaco Silva e de Durão Barroso a situação não fosse idêntica) e o segundo a garantir que a economia apenas está a “abrandar” e que os investimentos serão maioritariamente assegurados por capitais privados (esqueceu-se de explicar com que custos, mas também ninguém lho perguntou), parece que nada ficou como era.
Que a crise está instalada (e para durar), mesmo que o primeiro-ministro José Sócrates insista no eufemismo do “abrandamento” não devem restar dúvidas, pelo que a grande questão é: o que fazer?
Enquanto o PSD parece advogar a estratégia de “parar para pensar”, o PS defende que o principal é não cometer erros e, pelo sim pelo não, avançar com os investimentos programados. Em resumo: quer um quer outro não sabe o que fazer!
De comum têm bem presente que lhes é impossível alterar a política de favorecimento dos interesses económicos instalados e principalmente os ligados à grande especulação imobiliária (não tem sido esta ao longo das últimas décadas a mola real de movimento do país?), mas enquanto o primeiro advoga que em período de vacas particularmente magras se pondere quais os que devem ser favorecidos primeiro (bem sabemos que todos são iguais, mas uns sempre são mais iguais que os outros), o segundo mantém firme a aposta na sua boa estrela e “para a frente é que é o caminho”.
Perante um cenário desta natureza, não é de estranhar que um estudo da Comissão Europeia revelasse há dias que os Portugueses são os mais pessimistas da União Europeia[3] no que respeita às suas perspectivas de futuro. É que com políticos desta têmpera quem pode esperar ver a crise abordada numa nova perspectiva?
Quando é público, notório e bastas vezes denunciado, que um dos problemas fundamentais de qualquer economia que queira crescer de forma sustentada é o da dimensão do seu mercado doméstico (aquele que oferece às empresas maior estabilidade e um comportamento menos volátil face a modificações conjunturais) e quando é igualmente reconhecida a profunda disparidade salarial praticada no país[4] será de exigir de quem nos governa (ou venha a governar) uma política mais justa de distribuição dos rendimentos.
Na situação actual não basta esperar para ver ou esperar não cometer demasiados erros, é indispensável uma alteração radical do paradigma em que se tem baseado o funcionamento das economias ocidentais (e mundiais, porque de uma forma ou outra todas tendem para o mesmo modelo); é tempo de exigir todo o repensar de um modelo económico que se baseia exclusivamente no aumento da riqueza dos mais ricos e no crescente empobrecimento dos mais pobres.
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[1] A lista de possíveis referências é extensa, sendo de destacar entre outros os seguintes artigos de Perez Metelo: SALÁRIOS, PREÇOS E CRESCIMENTO, O ANO DE (QUASE) TODOS OS PERIGOS e O REGRESO DA INFLAÇÃO, publicados no DN em 15 de Fevereiro, 18 de Abril e 30 de Maio.
[2] Ideia muito bem traduzida no magnífico cartoon de Henrique Monteiro.
[3] Título de uma notícia do PUBLICO, de 24 de Junho, que refere os resultados de um inquérito do “Eurobarómetro” que pode ser consultado aqui.
[4] Veja a propósito um artigo de Daniel Amaral (insuspeito economista neoliberal) publicado no EXPRESSO, em Março deste ano, e que passo a citar:
«A forma como se distribuem os rendimentos é socialmente relevante. E o que se está a passar em Portugal é estranho. Por exemplo: já vimos que, para uma média europeia igual a 100, nós estamos no nível 75. Mas, se recuarmos cinco anos, encontramos o nível 78: fica a ideia de que a carruagem do nosso desenvolvimento se especializou na marcha-atrás. E o mesmo se passa nas diferentes regiões: a relação entre a mais rica (Lisboa) e a mais pobre (Norte) é de 1 para 1,78 - uma situação imoral.
Claro que esta injustiça relativa não se circunscreve ao país e às regiões. Estende-se também às pessoas. Já uma vez aqui falei disto, mas vou repetir. Se isolarmos o grupo dos 20% que ganham mais e os compararmos com o grupo dos 20% que ganham menos, encontramos aquilo a que poderemos chamar indicador da desigualdade. Este indicador é de 4,7 na zona euro, desce para 3,5 na Suécia e coloca Portugal no topo das injustiças relativas (6,8), só superado pela Letónia (7,9). É o grau zero da dimensão social.
Sinto extrema dificuldade em comentar estes números. A imagem que me ocorre é a de uma batalha naval: o nosso barco foi ao fundo. A pouco mais de um ano das eleições legislativas, seria interessante que os partidos políticos reflectissem sobre o assunto e fizessem dele um guião para os seus programas de governo. Considero indispensável que, quem governa, se comprometa pelo menos em três pontos: num crescimento sustentável da economia, numa correcção das assimetrias regionais e numa distribuição mais justa dos rendimentos.
As populações agradecem.»
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