quinta-feira, 9 de agosto de 2007

A MÃO INVISÍVEL[1]

Têm abundado nos últimos dias as notícias referentes à subida das taxas de juro, embora o banco central americano (FED[2]) e o europeu (BCE[3]) mantenham inalteradas as suas taxas directoras[4].

É normal que a alterações na taxa do BCE correspondam idênticos movimentos nas restantes taxas do sistema euro (em Portugal falar de taxas de juro é o mesmo que falar em taxa para empréstimo à habitação, rapidamente se fala em taxas acima dos 6%, tanto mais que a Euribor[5] mantém uma tendência de subida iniciada em Setembro de 2005) uma vez que estas tenderão a ser sempre um reflexo da primeira (o mesmo é válido para a taxa do FED e para as taxas no mercado do dólar).

Porém, em termos práticos a inversa também é verdadeira. Se os bancos começarem a antecipar alterações na taxa directora tenderão a incorporar essa informação nas taxas que praticam (no mercado de capitais chama-se a isto “descontar o efeito”) e, mais tarde ou mais cedo a taxa directora variará nesse sentido uma vez que a principal preocupação dos “banqueiros” que fixam as taxas directoras é combater as tendências inflacionistas. Na realidade o que os “patrões do sistema financeiro” receiam é a existência de alterações nos mercados – e assim a sua principal preocupação é manter a evolução das economias tão estável quanto possível e bem afastadas de tensões inflacionistas – e para o conseguirem tudo sacrificam a esse desiderato.

Mesmo assim, bom número de comentadores e analistas de mercado manifestaram a estranheza pelo facto do FED não ter reagido à crise no sector imobiliário norte-americano. Como é do domínio público continua em crescendo, naquele país, o número de falências originadas pela crise que atravessa o sector imobiliário e se até agora este fenómeno tem estado mais ou menos circunscrito aos intermediários (nos EUA os principais financiadores daquele mercado são fundos de investimento), começa já a ser evidentes que os “estragos” irão atingir os bancos junto dos quais aqueles fundos se terão financiado.

Este fenómeno, tipo dominó, verá a sua velocidade aumentar exponencialmente à medida que as falências atinjam os fundos menos especulativos. Quando, como é o caso americano, as famílias de menores rendimentos já não encontram financiamento e os fundos que as apoiaram já encerraram as portas, podem estar para breve os primeiros as primeiras falências no sector financeiro.

Mesmo não estando em causa, para já, a falência de gigantes bancários como o Chase ou o Deutsche Bank, um dos principais financiadores do sistema, o American Home Mortgage Investmentanunciou a sua falência e isto é tanto mais preocupante quanto este fundo não financiava agregados de risco elevado.

Apesar de muitos especialistas (e políticos) procurarem minimizar os efeitos desta crise sectorial, outros defendem que o FED podia (e devia) suavizar a sua taxa directora (como fez em 1998 sob a direcção de Alan Greenspan e em resposta às falências provocadas pelo rebentar da bolha especulativa em torno das empresas de novas tecnologias) dando assim sinais antidepressivos ao mercado. Se esta hipótese pode revitalizar o mercado, não é menos certo que terá o duplo efeito de desincentivar o investimento estrangeiro de que a economia americana necessita desesperadamente para financiar os desequilíbrios das suas balanças e suportar o custo da sua política de ocupação territorial no Médio-Oriente e agravar a competitividade das exportações americanas por via da valorização do dólar.

Perante este dilema a direcção do FED terá optado pela estratégia mais tradicional – não fazer nada e esperar que a “mão invisível” do mercado tudo resolva de forma natural -, mas ao que anunciou o grupo de estudos LEAP (Laboratoire Européen d’Antecipation Politique) em Maio último, a recessão norte-americana já começou. Para sustentar esta afirmação aquele “think tank” europeu recorre a uma análise da evolução do PNB americano medido em cinco divisas distintas (US Dólar, Euro, Libra inglesa , Yen japonês e Yuan chinês) concluindo que aquele indicador só apresenta crescimento quando denominado na moeda americana.

Conhecida a estrita dependência das duas moedas asiáticas do dólar pode-se concluir que o PNB oficial se encontra em declínio o que se deverá ao facto da economia americana ter abdicado da produção bens quando “exportou” as suas indústrias para os países com mão-de-obra mais barata.

Em nome dos interesses dos investidores (os mesmos que operam nos mercados de capitais) e da maximização dos lucros (a distribuir entre os accionistas) a economia americana está reduzida à prestação de serviços (e em especial à intermediação financeira) ou a tarefas mal remuneradas.

Este cenário, se não for já uma dura realidade, pode muito bem sê-lo num futuro muito próximo, tanto mais que actualmente a China e outros grandes investidores estrangeiros (entre os quais se incluem os produtores de petróleo do Médio-Oriente), cansados de assistirem à depreciação dos seus activos poderão suspender os seus investimentos em dólares e agravar ainda mais a situação deficitária norte-americana.

Talvez agora se compreenda porque é que Bernanke e o FED esperam pela actuação da “mão invisível”…
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[1] Definição introduzida por Adam Smith (filósofo escocês do sec XVII, defensor do liberalismo económico, é normalmente considerado o pai da economia moderna) na sua obra "A Riqueza das nações" para explicar como é que numa economia de mercado e apesar da inexistência de uma entidade coordenadora do interesse comum, a simples interacção dos indivíduos resulta numa determinada ordem, como se houvesse uma "mão invisível" que os orientasse.
[2] Designação pela qual é conhecido o Federal Reserve System (também designado Federal Reserve) entidade privada que funciona como banco central nos EUA; o seu actual presidente é Ben Bernanke, economista de ascendência judaica – o seu nome completo é Ben Shalom Bernanke – e um convicto seguidor das teorias monetaristas de Milton Friedman.
[3] Designação por que é conhecido o Banco Central Europeu, é a instituição central da política monetária da União Económica Monetária e a entidade que estabelece e aplica a política monetária europeia, dirige as operações de câmbio e garante o bom funcionamento dos sistemas de pagamentos.
[4] É a designação atribuída à taxa de juro a que um banco central empresta dinheiro aos bancos comerciais. Normalmente esta taxa directora influencia o nível das restantes taxas de juro na economia, funcionando como instrumento para incentivar ou diminuir os empréstimos, os investimentos das empresas e, por último, tentar controlar a inflação e o ritmo de crescimento económico.
[5] Euribor (Euro Interbank Offered Rate) é uma taxa de referência determinada diariamente a partir da média das taxas praticadas entre si pelos principais bancos da zona euro. Na prática traduz o valor ao qual os bancos emprestam fundos entre si.

2 comentários:

antonio ganhão disse...

Curioso é que enquanto a Euribor cresce para compensar as patacoadas especulativas em mercados de alto risco dos nossos crâneos financeiros, nos EUA o FED prepara-se para baixar as taxas de juro...

E se as nossas autoridades estivessem ao serviço dos interesses do país?

A Xarim disse...

Pois...

Mas o FED ainda não baixou as taxas, para já limitou-se, tal como o BCE, a injectar liquidez no mercado (e pouca!), depois os bancos centrais não actuam em defesa ou benefício das populações, mas em exclusivo proveito do tal mercado e da "mão invisível".