domingo, 20 de maio de 2007

PARANOIAS PURIFICADORAS E OUTRAS…

Após o fracasso de uma tentativa para restabelecer a pena de morte na Polónia, os irmãos Kaczynski voltam a deparar-se com algumas dificuldades na aplicação do seu projecto para a lustração, ou “descomunização”, da sociedade polaca.

A recente decisão do Tribunal Constitucional que se pronunciou pela inconstitucionalidade de dezenas de artigos da nova lei (mas não contra o processo de “caça às bruxas”) poderá não constituir mais que um pequeno entrave ao fanatismo que impera num país que nem mesmo o facto de ser membro da União Europeia desde 2004 parece inverter.

Não se julgue, porém, que este é um caso isolado de ultra fanatismo e de atentado às liberdades individuais. Nesta matéria quem pode esquecer o que um pouco por todos os estados ocidentais tem acontecido em nome da “luta contra o terror” iniciada por George W Bush?

Quais foram os grandes órgãos de informação que fizeram ouvir a sua voz (ou deram espaço aos que de pronto começaram a formular algumas dúvidas) para questionar que fosse a estratégia da administração norte-americana?

Salvo algumas publicações marginais e o cada vez mais importante veículo de informação e ideias que é a Internet e talvez ainda hoje muita gente continuasse a acreditar piamente que tudo o que ocorreu no dia 11 de Setembro de 2001 foi obra de Al-Qaeda, que as invasões americanas do Afeganistão e do Iraque se justificaram para capturar os responsáveis por aquele atentado e evitar o uso de armas de destruição em massa pelo regime de Saddam Hussein.

Este aparente silêncio venerando em torno das diatribes de um presidente norte-americano, apoiado por um primeiro-ministro inglês espartilhado entre uma União Europeia em crescimento (pelo menos no sentido físico) e o pavor de uma crescente perca de poder de influência internacional (quem um dia afirmou que o maior fantasma do “blairismo” ainda era o “tatcherismo” é bem capaz de ter razão), não foi alcançado de forma simples nem pacífico.

Se aparentemente nas primeiras horas após a derrocada das Twin Towers até a imprensa europeia titulava na primeira página dos seus jornais «SOMOS TODOS AMERICANOS», de pronto a Casa Branca lançou uma ofensiva visando garantir a perenidade desse apoio. Aprovado o Patriot Act abriram-se as portas para o início de uma ofensiva contra as liberdades fundamentais de todo e qualquer oposicionista às teses beligerantes dos neoconservadores.

O desenrolar dos acontecimentos deram sobejas razões aos que internamente têm vindo a contestar a actuação da administração americana, mesmo sujeitando-se a todo o tipo de perseguições e arbitrariedades. Muitos são os casos de professores universitários que têm sido afastados dos seus cargos e dos “campus” universitários por veicularem teses contrárias à política norte-americana, ou ainda mais simplesmente por manifestarem interesse e apoio aos povos a que o seu governo vem infligindo os custos de ocupações militares.

Nomes para nós desconhecidos, como os de:

  • Ward Churchill (professor na Universidade de Colorado e ensaísta, conhecido pelas suas posições críticas sobre a exploração sistemática dos valores tradicionais da cultura nativa norte americana e mais recentemente por causa de um polémico ensaio sobre o 11 de Setembro de 2001[1]);
  • Sami Al-Arian (natural do Kuwait, professor de ciências de computação na Universidade de Florida do Sul foi acusado de terrorismo e condenado em 2003 à deportação por conspirar em benefício do movimento palestiniano da Jihad Islâmica; continua preso por desrespeito ao tribunal[2]);
  • Rafil Dhafir (oncologista iraquiano, naturalizado americano, condenado em 2005 a 22 anos de prisão por ter violado o regime de sanções aplicado ao Iraque de Saddam Hussein. Na prática o Dr. Dhafir criou um fundo de caridade – Help the Needy – destinado à recolha de fundos para envio ao povo iraquiano; trata-se hoje do único caso de violação do embargo até hoje sancionado com a prisão pelas autoridades norte americanas[3]);
  • Norman Finkelstein (americano de ascendência judaica, professor de ciência política na Universidade de Binghamton é conhecido pelas suas posições críticas contra o Estado de Israel e o seu envolvimento no conflito palestiniano e contra a exploração do Holocausto para fins políticos e económicos, é neste momento alvo de um processo para o expulsar da vida académica[4]);

são alguns dos académicos americanos compulsivamente afastados das sua universidades (ou presos como Sami Al-Arian) que confirmam a existência naquele país de um clima de repressão e perseguição aos opositores políticos.

Este clima persecutório tem-se alargado a outros sectores da sociedade americana, como o caso da imprensa, onde em tempos foi notícia a condenação à prisão da jornalista Judith Miller[5], do conservador New York Times, por ter protegido as suas fontes de informação; neste caso nem os relevantes serviços prestados à causa belicista[6] norte-americana pela jornalista parece terem evitado a condenação e o seu posterior afastamento daquele jornal. Em idêntica linha de actuação se insere a proposta do senador John McCain (candidato republicano às próximas eleições presidenciais) para limitar a liberdade de expressão na Internet, principalmente na designada blogoesfera, sob o argumento do combate ao abuso de menores.

É evidente que este tipo de prática ainda não foi generalizada à classe política, mas isso pode ficar a dever-se apenas ao facto das diferenças entre os membros dos dois partidos (Democratas e Republicanos) serem diminutas. Facto comprovado é que continua a vigorar um estado onde cada vez a vontade de George W Bush (ou a de quem através dele manda) é lei, mesmo se isso contraria a origem da própria nação americana, que nos seus primórdios se definiu como um governo pelo povo e para o povo.
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[1] ver: http://wardchurchill.net/ e http://en.wikipedia.org/wiki/Ward_Churchill
[2] ver: http://en.wikipedia.org/wiki/Sami_Al-Ariane e http://www.freesamialarian.com/
[3] ver: http://en.wikipedia.org/wiki/Rafil_Dhafir, http://www.freedhafir.org/ e http://www.dhafirtrial.net/static/about_dhafir.html
[4] ver: http://en.wikipedia.org/wiki/Norman_Finkelstein e http://www.normanfinkelstein.com/
[5] ver: http://en.wikipedia.org/wiki/Judith_Miller_(journalist), http://judithmiller.org/ e http://griloescrevente.blogspot.com/2005/08/liberdade-de-imprensa-liberdade.html
[6] http://www.counterpunch.org/cockburn08182003.html

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