quinta-feira, 13 de setembro de 2007

DE ESCÂNDALO EM ESCÂNDALO

Eis como se pode resumir em poucas palavras a actual cena política polaca.

O final da semana passada viu desenrolar-se o mais recente episódio de um caso com configurações quase hollywoodescas, quando Janusz Kaczmarek, o ex-ministro do interior do governo de Jaroslaw Kaczynski, foi detido sob a acusação de obstrução à justiça alguns dias após uma audiência parlamentar durante a qual acusou o chefe do governo de ter ordenado escutas telefónicas a membros do seu próprio governo.

Para melhor entendermos esta troca de acusações, recorde-se que Kaczmarek foi demitido do governo em meados do mês passado sob a acusação de ter tentado bloquear uma investigação ao então ministro da agricultura, Andrzej Lepper, acusado de corrupção. Este, líder do partido Autodefesa, abandonou o governo e a coligação formada com o PiS (partido do Direito e da Justiça, dos irmãos Kaczynski) e o LPR (partido ultra-católico Liga das Famílias) que o suportava.

Apesar de ser há muito conhecido o clima de permanente tensão entre o partido Direito e Justiça e os mais extremistas Liga das Famílias e Autodefesa, os líderes daquele iam conseguindo manter algum clima de unidade na coligação governativa que ao dissolver-se não abrirá apenas um cenário de eleições antecipadas mas também um período de grande confrontação entre os grupos da direita mais radical.

Sem escamotear a gravidade das acusações envolvidas nem por isso deixa de merecer especial relevo a revelação de uma prática (escutas a adversários políticos) que em tempos ditou a resignação de Richard Nixon[1] para evitar o impeachment[2], hipótese que na democrática Polónia parece afastada.

A Dieta (parlamento polaco) já decidiu a sua dissolução e novas eleições estão já marcadas para o próximo mês de Outubro, mas permanece o clima de instabilidade, agitação e troca constante de acusações entre os políticos das principais forças em liça. A própria imprensa polaca tem vindo a denunciar os atropelos que os gémeos Kaczynski (o presidente Lech e o primeiro-ministro Jaroslaw) têm vindo a perpetrar, não sendo de estranhar que tudo façam para se manterem no poder até às eleições antecipadas, cientes do enorme peso que tem o facto de poderem controlar o processo eleitoral.

Conhecidos pelo seu reaccionarismo e paranóia anticomunista, revelaram-se ao longo do tempo de permanência no poder exímios praticantes da arte de permanente ziguezaguear (uns dias defendem uma coisa para nos seguintes defenderem o seu contrário), juntam agora ao seu currículo as piores práticas políticas e, no dizer de muitos conhecedores da realidade polaca, é bem provável que continuemos a ter que os aturar a pós as eleições.

Se é certo que o processo de democratização polaco sempre enfermou de profundas ligações às facções ultra-católicas e nunca pareceu revelar capacidade para vencer as paranóias anticomunistas mais primárias (veja-se o caso da política de lustração e o que a propósito aqui escrevi), nunca estes fenómenos conheceram expressão tão marcada como durante o “consulado” Kaczynski.

Teremos tristemente que concluir que os polacos trinta anos depois da queda do muro de Berlim ainda não estão efectivamente preparados para viver uma democracia plena?

Sinceramente não o creio (e ainda menos o desejo), mas com personagens do calibre destes gémeos vai ser difícil alimentar grandes esperanças e em alguns jornais europeus já se começam a encontrar defensores da ideia de aplicação de sanções à Polónia, nomeadamente a suspensão do seu direito de voto. Mesmo que seja entendível e até possa apresentar efeitos positivos, este é o momento em que a União Europeia mais dispensaria a necessidade de semelhante opção.
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[1] Richard Nixon foi o 37° presidente dos Estados Unidos da América (1969-1974).
Após um primeira derrota em 1960, contra John Kennedy, voltou a candidatar-se pelo Partido Republicano em 1968, vencendo a eleição contra Hubert Humphrey. Foi reeleito em 1972 e a sua passagem pela Casa Branca ficou assinalada pela negociação para a retirada das forças dos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnam, aproximou os Estados Unidos da República Popular da China e viajou a Moscovo, onde deu impulso às negociações com a União Soviética sobre a redução de armamento; no plano interno, Nixon travou dura luta contra a inflação, mediante o controle de preços e salários e a redução dos gastos públicos. Em Agosto de 1974 renunciou ao cargo em virtude do escândalo Watergate, pouco antes da votação pelo Congresso da impugnação de seu mandato - o impeachment – vindo a falecer em 13 de Agosto de 1994, aos 81 anos. (adaptado de Wikipédia)
[2] Impeachment é um termo da língua inglesa que designa a impugnação de mandato. É uma figura jurídica que consta do ordenamento jurídico nos países cujos governos não assentam em bases parlamentares (por exemplo os EUA), equivalente à moção de censura, figura jurídica dos regimes parlamentaristas. A sua aplicação resulta de uma acusação pela prática de crimes que podem ser: comuns, de responsabilidade, de abuso de poder ou desrespeito das leis fundamentais (constituição).

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