domingo, 27 de maio de 2007

EMPRENDORISMO NACIONAL, SIM! OPORTUNISMO, NÃO!

Nunca aqui escondi o meu particular apreço pelo assinalável contributo que há anos Perez Metelo tem vindo a dar para a divulgação de temas e questões de natureza económica, principalmente porque ao optar por uma linguagem simples e directa, abdicando de um “economês” tão do agrado da generalidade dos analistas e comentadores económicos, terá tornado compreensíveis ao cidadão comum muito do que regula a sua vida diária.

O último texto de sua autoria, publicado no DN, não foge a esta regra, abordando de forma concisa a importante questão da necessidade introdução de novas perspectivas para o empreendorismo nacional e criticando a entre nós tradicional condenação social do insucesso.

Procurando realçar a necessidade da mudança de mentalidades e a importância de uma forte aposta na formação e na motivação, Perez Metelo foi buscar o exemplo de um sector de actividade que em Portugal tem registado assinalável sucesso – o da banca – e, para melhor explicar o seu ponto de vista escreve a dada altura: «Hoje, vamos a uma agência e estão lá a trabalhar, em média, dez pessoas. Em 1982 eram 39. Imagine-se a expansão do sector neste quarto de século em termos de volume de negócios e compreenderemos em toda a sua extensão os ganhos extraordinários de produtividade atingidos na banca deste país. Os resultados milionários em crescendo decorrem de tudo isto. O peso dos funcionários bancários com ensino superior completo passou de 8% para 40% e hoje seis em cada dez novos admitidos têm um diploma universitário

Mesmo não querendo negar a evidência da sua análise (o sector financeiro português sofreu nas últimas décadas uma evolução muito rápida que o colocou em pé de igualdade com os congéneres europeus, mesmo à frente se considerarmos apenas o índice de automatização de serviços) e a importância que os processos de formação profissional e de rejuvenescimento dos quadros, acompanhados de uma política de admissão de pessoal orientada para a exigência de elevados níveis de formação, tiveram nos resultados; existe, porém, um reverso da medalha que não pode de todo em todo ser escamoteado – tudo isto foi alcançado a custo de uma total desumanização nas relações de trabalho e complementada por uma evidente sobreexploração.

Quando se refere a redução do número médio de trabalhadores por agência bancária (de 39 para 10, nos últimos vinte anos) e se apresenta isto como um assinalável ganho de produtividade, está-se a esquecer que há muito a generalidade dos trabalhadores do sector deixaram de fazer jornadas de 7 horas de trabalho para passarem para as 8 e as 9 horas diárias. Isto sem que a esta sobrecarga horária corresponda qualquer acréscimo de remuneração. A título de exemplo para a dimensão deste fenómeno veja-se a notícia publicada pelo DN, em Junho de 2005, segundo a qual estimativas do SBSI – Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas naquela data indicavam que o trabalho suplementar não remunerado feito pelos bancários ascendia a cerca de dez milhões de horas extra, daria para empregar mais seis mil pessoas e terá gerado uma mais-valia anual da ordem dos 65 milhões de euros.


Mesmo sem dispor de dados estatísticos concretos, é do senso comum que o nível escolar dos trabalhadores no sector financeiro é dos mais elevados, mas isso encontra-se longe de corresponder a melhores níveis salariais ou até a melhores condições de trabalho, antes reflecte a inexistência no país de um tecido empresarial alicerçado sobre a contratação de gestores e técnicos qualificados.

Por outro lado a rápida alteração nos modelos de trabalho e nos esquemas organizacionais dos bancos tem vindo a degradar, de forma particularmente evidente, a qualidade de vida dos profissionais do sector. A atestá-lo temos esta notícia no Jornal de Notícias, que há quase cinco anos já dava nota do aumento da procura de assistência psiquiátrica entre os membros daquele grupo sócio-profissional, em consequência da ansiedade e do “stress” associados à profissão. Num estudo de Paulo Pereira de Almeida, investigador do ISCTE e autor de «Banca e Bancários em Portugal: Diagnóstico e Mudanças nas Relações de Trabalho», editado em 1999 pela Celta Editora, são apontados como responsáveis por esta situação os novos métodos de organização do trabalho, a instalação de processos de rotação, a polivalência, a flexibilização da mão-de-obra e a multifuncionalidade, em simultâneo com a emergência de novas funções estruturadas sobretudo nas áreas dos novos produtos financeiros e das novas tecnologias.

Caso os factores já enunciados não sejam julgados suficientes para justificar a reavaliação do caso de sucesso, não tanto pelos resultados mas pelos custos com que foi alcançado, ainda me atrevo a juntar mais alguns, nomeadamente a quase total destruição de uma imagem de seriedade e ponderação tradicionalmente associada à actividade bancária.

Hoje, no afã de mais e mais lucros, de cada vez maiores remunerações para os accionistas, na actividade bancária vale quase tudo… Quem em tempos recorria ao “seu banco” para esclarecimento e aconselhamento deve estar a amargamente decepcionado com os resultados das “mirabolantes” aplicações financeiras e/ou financiamentos que realizou e muitos devem já começar a desligar o telefone doméstico à hora das refeições, porque em Portugal a modernização dos serviços financeiros tem passado também por esquemas de abusivas tele-vendas, de “mailings” intrusivos e pela contratação de “angariadores”, resultando tudo isto no abandono de uma imagem de rigor e segurança e na sua substituição por uma de total banalização.

É evidente que os avanços tecnológicos ditados pela informatização dos serviços financeiros foram (e são) um progresso assinalável, tanto no capítulo da segurança quanto no da qualidade dos serviços, mas onde nos levará a onda de loucura que parece ter invadido as cúpulas directivas?

Que me perdoe Perez Metelo, mas se este é o retrato da economia do futuro, para bem de todos resta-nos esperar que este caminho não seja trilhado por muitas mais empresas.

2 comentários:

antonio ganhão disse...

Apenas acrescento um ponto aos teus argumentos:

A idade dos trabalhadores. Existe algum banco que aceitará ter nas suas agências empregados sexagenários?

Reformas antecipadas? A maior parte das reformas antecipadas foram suportadas pelo estado, este fechou a torneira.

Não iremos assistir ao fim do contrato de trabalho? Ou seja, alguém assina um contrato por 10 anos ao fim do qual o patrão pode não renovar e não tem que indemnizar.

Não vamos assistir ao fim das reformas, mas sim ao desemprego maciço a partir dos 40/50 anos. É claro que quando se chega aos 70 para recolher a reforma, essa correspondendo à vida contributiva, será uma miséria!

Anónimo disse...

É depois falam que o funcionario como um todo deve se sentir motivado,em sua vida profissional, mas com tanto desvio de padrao no mercado de trabalho e financeiro, o que devemos fazer ???
precisamos ou nao de uma reforma mais emprendora?