quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

DEBATES PRESIDENCIAIS X

Conclui-se ontem o ciclo de debates negociados entre um conjunto de cinco candidatos à eleição presidencial que terá lugar no dia 22 do próximo mês de Janeiro.

De acordo com a ordem estabelecida estiveram frente-a-frente Cavaco Silva e Mário Soares, para o que era considerado por todos como mais aguardado dos debates.

Em anteriores apreciações sobre os nove debates já realizados, referi-me algumas vezes às evidentes limitações do modelo escolhido e, pior, ao facto dele se ajustar particularmente a um dos candidatos.

Apesar de já no encontro entre Cavaco Silva e Francisco Louçã ter ficado demonstrado que mesmo com as limitações impostas ainda haveria algum campo de manobra para, aqui ou ali, se verificar algum debate, o que ontem nos foi dado apreciar, não invalidando as condicionantes e limitações, foi a exibição de como poderiam (e deveriam) ter sido boa parte dos anteriores.

Digo isto não tanto pelo facto de Mário Soares quase ter conseguido chamar a si a marcação dos temas mas também porque sem gastar demasiado tempo foi ele quem conseguiu liderar, do início ao fim, o “diálogo” com o seu opositor.

Quase permanentemente obrigado a uma posição de resposta, Cavaco Silva nunca conseguiu afastar a pressão do adversário e raramente responder mais do que com referências ao passado (a que normalmente Soares replicava com a irrelevância para as eleições em causa ou a dualidade de avaliações) ou o vazio do seu conceito de “cooperação estratégica”, porque nem ontem o conseguiu (ou quis) explicar.

Limitando o campo ao seu adversário – ora na vertente técnica, quando o classificou de mediano economista que nunca mereceu um prémio Nobel, ora na política, quando o confrontou com o abandono prematuro do governo de Sá Carneiro, a fuga quando primeiro-ministro para não arriscar uma derrota eleitoral, a inconsequência de uma auto definição como social-democrata quando o PSD integra a família europeia dos partidos populares – Soares foi sempre marcando o ritmo das perguntas que os moderadores lá foram tentando colocar.

Cavaco Silva, intencionalmente remetido a uma posição defensiva (a que seguramente os seus conselheiros consideram mais adequada e menos passível de produção de “gafes”), foi tentando esgrimir o argumento dos seus dez anos de governação. Preparado para este tipo de argumentação Soares não perdeu as oportunidades ora para lembrar as diferenças entre os cargos de primeiro-ministro e de presidente, ora para chamar a atenção para a disparidade entre as duas funções ou ainda para recordar as limitações constitucionais do cargo a que ambos se candidatam.

Para marcar ainda mais as diferenças Soares foi adiantando a falta de perfil de Cavaco (distante, conhecimentos limitados à área da economia, dificuldade de diálogo) que culminou com uma referência às dificuldades de relacionamento que este revelara em cimeiras da União Europeia, de acordo com a opinião de outros participantes estrangeiros. Não sei se de forma genuína ou meramente teatral Cavaco mostrou-se incomodado (disse mesmo que tinha que se conter porque Soares estaria a por em dúvida a sua capacidade para defender os interesses nacionais, facto que vários estadistas estrangeiros refutaram em diversas ocasiões) o que não consegui entender, porque na realidade com a resposta que deu não contestou a afirmação de Soares (este falara de relacionamento e não de resultados) nem mais tarde, quando foi abordada a forma como decorrera o relacionamento mútuo no exercício simultâneo dos cargos de presidente da república e primeiro-ministro.

Aliás, sobre essa época, foi Soares que recordou a importância do papel de mediador do PR, quando lembrou a sua intervenção no período de aberta contestação social e política que o governo de Cavaco Silva sofreu.

Numa das poucas ocasiões em que Cavaco procurou reagir ao acicate de Soares, a propósito da globalização, este rapidamente contra argumentou demonstrando que este processo não é uma mera questão económica, mas também social e política (referiu a propósito a sua presença nas cimeiras de Davos e Porto Alegre) e que, como em tudo o mais, Cavaco reduzia a apenas uma das suas vertentes.

Não desperdiçando a oportunidade Soares trouxe ainda para debate uma questão particularmente relevante: será que, pelo perfil de frieza e distanciamento, pelas propostas que se aproximam mais de uma postura de executivo (chefe de governo) que de moderador (presidente da república), da eleição de Cavaco Silva não resultará um clima de conflitualidade com os poderes instituídos (o executivo do governo e o legislativo da assembleia)?

Como muitas outras, também esta ficou por responder, concluindo-se o debate com a habitual curta declaração final de cada um dos candidatos, que mostrou um Soares dirigindo-se frontal e abertamente ao eleitorado e um Cavaco mais preocupado em manter o eleitorado que lhe é atribuído. Portanto, sem nada de novo.

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