sábado, 3 de novembro de 2012

OUTRAS VISÕES DA TRAGÉDIA


A gravidade da situação que atravessa a UE e em especial o grupo dos países do Sul recomenda o conhecimento da sua realidade. Porque, ao contrário do que pretende o discurso oficial dos países do Norte, as raízes do problema estão muito além dum simples processo de esbanjamento colectivo e porque ao contrário do que sucede entre nós ainda há países onde a imprensa vai fazendo eco doutras análises, aqui deixo um artigo bem antigo (tem quase um ano de publicação) do FINANCIAL TIMES, onde Misha Glenny, o jornalista e autor de obras sobre a região dos Balcãs e sobre o crime organizado, expõe uma perspectiva diversa sobre:

«A verdadeira tragédia grega - os oligarcas gananciosos

Por Misha Glenny

Caprichoso, não confiável e ideológico, foram alguns dos epítetos mais imprimíveis lançados contra George Papandreou durante a sua última semana como primeiro-ministro grego. Devemos olhar para os motivos dos seus detractores antes de aceitar tais críticas como válidas. Envolvido em titânicas lutas políticas no país e no exterior, foi tentando combater discretamente uma das causas mais profundas da tragédia grega - o crime e a corrupção.

Enquanto tenta convencer a Europa da sua determinação em reduzir um sector público inflacionado, o novo governo grego tem de decidir se quer enfrentar a ameaça interna real para a estabilidade da Grécia: a rede de famílias oligarcas que controlam grande parte da economia grega, do sector financeiro, dos meios de comunicação e, na realidade, dos políticos.

Desde que o Sr. Papandreou se tornou primeiro-ministro, o seu governo foi tentando reprimir a habitual evasão fiscal. Ele deixou claro num discurso ao Parlamento na sexta-feira quão profundas são as suas preocupações sobre as actividades mais duvidosas de alguns bancos da Grécia. Podemos apenas esperar que a auditoria BlackRock, encomendada pela troika, seja suficientemente profunda para descobrir o que realmente está a acontecer no sistema financeiro.

No mesmo discurso, Papandreou revelou também dados dramáticos sobre uma operação pan-balcânica de contrabando de combustível que poderá custar à Grécia uma estimativa anual de 3 mil milhões de euros. Ele explicou claramente quão prejudiciais têm sido tais actividades criminosas, mas sem nomear os envolvidos.

Os oligarcas têm respondido de duas maneiras. Primeiro, acelerando a sua prática habitual de fuga de capitais. No ano passado, só o mercado imobiliário de Londres registou um grande aumento de aplicações de origem grega.

Segundo, fomentando notícias histéricas na imprensa de que são proprietários, a fim de denunciar e prejudicar Papandreou em cada oportunidade, cientes de que ele é o menos flexível entre a elite política da Grécia.

O seu objectivo é claro – preparam-se para atacar os bens do Estado que, sob os vários planos de resgate, o governo grego deve privatizar. Com a economia doméstica em queda livre, o preço das acções de entidades extremamente valiosas, tais como a rede eléctrica e a lotaria nacional, foi-se degradando progressivamente ao longo dos últimos dois anos. A participação de 10 por cento na OTE, a operadora de telecomunicações grega, foi vendida ao longo do verão à Deutsche Telekom por cerca de 7€ por acção, 75% abaixo do seu preço de três anos antes.

Os conglomerados oligarcas esperam comprá-los até menos de um quinto do seu valor real - um fraco retorno financeiro para o Estado, mas um grande negócio a um prazo de 5-10 anos para os compradores. Alguns apostaram na hipótese da Grécia sair do euro, para que possam usar os milhares de milhões de euros contrabandeados para fora do país para comprar os activos por preços duma dracma desvalorizada.

Se as crises na Grécia e Itália nos ensinam alguma coisa, é que a União Europeia tem tolerado a corrupção generalizada, a criminalidade e a governação maligna não apenas nos países pobres do leste da Europa, mas em alguns de seus principais membros europeus ocidentais. Enquanto nós, europeus damos lições ao mundo sobre a importância dos valores europeus – transparência, boa governação e concorrência – fechamos muitas vezes os olhos ao monopólio de Berlusconi na informação, à influência da Camorra na política de Campania e ao compadrio crónico na economia grega (sobre a qual os governos britânico e alemão, para citar apenas dois, estão plenamente informados).

Se a catástrofe que hoje ameaça a Europa pode servir para alguma coisa que seja para erradicar esta corrupção generalizada. Caso contrário, a Grécia e a Itália nunca se verão livres da esclerose institucional que permite que o uso dessas práticas para prosperar. Antes de suspirarmos por uma resposta do norte da Europa, lembremos os milhares de milhões de dólares em subornos de que empresas alemãs, como a Siemens e a Ferrostaal, foram condenadas de pagar aos seus interlocutores gregos. Estes foram pagos para garantir os contratos lucrativos financiados pelos gregos decentes que ganham relativamente pouco e que, ao contrário dos super-ricos do país, pagam os seus impostos.

Para a Grécia, a grande questão é se, após Papandreou, o país possui o talento e a visão política necessários para introduzir as reformas profundas para reconstruir as instituições em estado comatoso e para deter a pilhagem da economia grega pelos seus cidadãos mais ricos e poderosos. Isto é algo que os credores internacionais do país também podem querer ponderar.

O meu palpite é que provavelmente não e que os esforços de Papandreou virão a ser considerados como a última tentativa séria para salvar o país.»

No texto o autor transmite uma perspectiva bem diversa da que circulou na imprensa, na época em que Papandreou propôs a realização dum referendo a propósito do resgate, questão ainda mais candente, quando se noticia que a «Grécia agrava previsão de recessão para 2013», enquanto permanecem imutáveis algumas das razões para o prolongamento da crise na Europa.


Sendo a sua principal virtude a de chamar a atenção para algo mais prosaico, mas nem por isso menos destruidor, como as ligações entre a corrupção e as oligarquias europeias.

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