É quase
incontornável que nas vésperas duma visita oficial da chanceler alemã e duma
greve geral ibérica (acontecimento nunca visto) que por decisão da CES
(Confederação Europeia de Sindicatos) será acompanhada por acções de
solidariedade (greves, manifestações, concentrações, etc.) em todo o espaço
europeu, se retome a permanentemente adiada questão do modelo de funcionamento
(e de financiamento) europeu, tanto mais que nesta semana o presidente do BCE,
Mario Draghi, fez soar o alarme quando afirmou que os «Efeitos
da crise chegam à economia alemã».
De forma mais
clara afirmou, segundo
esta notícia do PUBLICO, que os «…acontecimentos financeiros na
Alemanha são o espelho dos acontecimentos financeiros no resto da zona euro. E
isto significa que as medidas para assegurar a estabilidade da zona euro no seu
conjunto também beneficiarão a Alemanha…», cujo PIB é
em boa medida (40%) resultado do comércio com os restantes parceiros europeus
de quem depende para obter 65% do investimento estrangeiro directo.
Esta realidade
que constitui a forte interdependência entre os diferentes estados-membros da
UE, que muitos persistem em negar, deveria ter marcado desde a primeira hora a
agenda e o processo para enfrentar a questão das dívidas públicas denominadas
em euros. Lembre-se, a propósito, que no biénio 2008-2009, quando esteve no
auge a necessidade de recursos a fundos públicos para o financiamento dum
sector financeiro descapitalizado em resultado das estratégias especulativas e
absurdamente arriscadas a que as agências de “rating” deram a maior cobertura, foram injectados biliões de
unidades monetárias nos bancos e nas seguradoras “too big too fail” não se fizeram ouvir as vozes dos “adoradores do
equilíbrio orçamental”, apenas quando os encargos passaram para a
responsabilidade dos contribuintes é que começou a ser agitado o espantalho dos
défices públicos.
É evidente que
tudo isto só atingiu as actuais proporções graças à cada vez mais reconhecida
inépcia dos responsáveis políticos, nacionais e europeus, e à sua
intransigência na introdução de alterações aos mecanismos de financiamento da
moeda única. Esta questão continua a marcar a actualidade europeia e tem sido
cada vez mais utilizada pelos críticos do euro para apelarem ao fim deste
modelo de União Económica e Monetária, de que é exemplo um recente artigo
de opinião da autoria de João Ferreira do Amaral publicado no ECONÓMICO,
onde o autor defende o regresso às moedas nacionais como única via para que os
Estados recuperem o indispensável poder de criação de moeda, esquecendo a
hipótese tantas vezes aqui defendida de alteração dos estatutos do BCE para
permitir que este financie directamente as necessidades monetárias dos
estados-membros. Esta solução, além de bem mais simples de aplicar que um
sempre delicado regresso a 17 moedas nacionais, teria ainda a virtualidade de
reduzir significativamente o poder que o sector financeiro hoje detém sobre os
Estados mantidos
reféns dum mau acordo.
Não contentes
com a defesa da verdadeira aberração que encerra o Tratado da União, os
defensores do virtuosismo orçamental ainda se arrogam a prerrogativa de tratar os
opositores aos seus dogmas ideológicos como perdulários merecedores das
flagelações austeritárias com pretendem resolver a chamada crise das dívidas
soberanas.
É nesta linha
dogmática que se insere a actuação e o discurso da chanceler alemã, como se
pode comprovar pelas notícias sobre a sua intervenção num Congresso regional do
seu partido (CDU) que teve lugar no passado fim-de-semana e onde, fazendo tábua
rasa da realidade que a rodeia e que já é caracterizada como a «Europa
do desemprego rasteja na economia e afoga-se na dívida», se ouviu que «Merkel
pede à Europa austeridade e esforços durante mais cinco anos».
Perante os
medonhos (talvez até já ireparáveis) danos que dirigentes manifestamente
incompetentes, com Angela Merkel à cabeça, têm infligido ao processo europeu e
aos seus povos resta-me um único apelo: Cala-te Merkel!
[1] Tradução para alemão da expressão
«Cala-te Merkel!», adaptando a celebrizada pelo rei de Espanha quando
interpelou o presidente venezuelano durante uma conferência ibero-americana com
um exaltado «Por qué no te callas?».
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