domingo, 2 de maio de 2010

O ENCONTRO

Parecem restar cada vez menos dúvidas que após a tormenta financeira, despoletada pela crise do “subprime” nos EUA, se seguiu uma profunda crise económica global e que ao que tudo indica esta vem acompanhada de uma cada vez mais provável crise financeira dos Estados.

Invoque-se (ou não) o papel dessa entidade quase mítica que são os “mercados” para explicar ou tentar justificar o que está a acontecer um pouco por todo o lado, a realidade é que todos nós – famílias, empresas, governos... – nos colocámos a jeito
[1].

E a prova de que tudo o que nos está a acontecer a nós se deve – seja pela forma como trabalhamos e gerimos as empresas, seja pela forma como participamos (ou não) na vida política nacional e local –, foi cabalmente transmitida pelo muito badalado encontro entre o primeiro-ministro, José Sócrates, e o líder do maior parido da oposição, Pedro Passos Coelho.

Se dúvidas houvesse que grande parte da responsabilidade pelo crescimento do défice público nacional se deve àqueles dois partidos e que estes tudo farão para que nenhuma das medidas necessárias a uma cabal inversão do modelo monetário e de endividamento em que vivemos, poucas deverão restar depois da encenação a que os líderes do PS e do PSD se prestaram.

Mais, o visível silêncio do Presidente da República – em última instância o principal responsável pelas acrescidas dificuldades políticas com que se debate a governação do país – que para alguns sectores é interpretado como intenção de deixar todo o campo de manobra ao Governo para gerir a situação, não passa de uma mera manobra táctica de quem se aproxima a passos largos da corrida para a renovação do cargo.

Que a crise (seja ela financeira, económica ou apenas de confiança) é um mal geral não pode continuar a servir de argumento para que os responsáveis se eximam ao justo escrutínio e ao pedido de explicações dos cidadãos. Mais que nunca ao Presidente da República e aos partidos com representação parlamentar devem ser exigidas explicações sobre as estratégias que levaram a que no último trimestre de 2009 (e já com o cenário da crise financeira grega bem visível) fosse aceite a constituição de um governo monopartidário e minoritário que visivelmente não dispunha das condições mínimas (nem políticas, nem de credibilidade) para produzir qualquer estratégia digna desse nome direccionada ao combate aos verdadeiros problemas nacionais: a ausência de estratégias de crescimento económico (e consequentemente de combate ao desemprego) e o crescimento insustentável de uma dívida pública que continuava a ser orientada para despesas de reduzida ou nula eficácia económica, como sejam as grandes obras públicas traduzidas na construção de mais auto-estradas, de novos aeroportos e de espúrias vias de alta velocidade.

Enquanto se anunciam novas e mais draconianas medidas de redução do défice (traduzidas maioritariamente na redução de benefícios sociais e do poder de compra das famílias), quando na imprensa se avolumam os comentários dos especialistas predizendo ou preconizando a inevitabilidade de novo aumento da carga fiscal, os políticos que nos conduziram à situação actual mostram-se em público muito preocupados e empenhados na busca de soluções enquanto em privado assobiam para o lado...

Não afirmo isto pelo facto de nada ter transparecido para o público sobre o teor da conversa entre Sócrates e Passos Coelho (ainda pertenço ao grupo dos que entendem perfeitamente que muitas conversas devem permanecer entre os que nelas participam, sobretudo se isso significar a manutenção de condições para a continuação do diálogo), mas sim porque destes políticos (mesmo ressalvando a relativa novidade que poderá constituir Passos Coelho) e das suas ideias pouco poderá advir que efectivamente contribua para a ruptura do ciclo de endividamento que é originado por um modelo financeiro que retirou aos Estados a capacidade para a criação da sua própria moeda.

Talvez leve ainda muito tempo, mas chegará o dia em que os cidadãos entenderão que reside nas suas próprias mãos a possibilidade de inverter este ciclo que tem ditado o enriquecimento de muito poucos à custa do empobrecimento de todos os outros.
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[1] A expressão foi recentemente popularizada pelo Presidente do BCP, Santos Ferreira, na apreciação que fez sobre a situação financeira nacional durante a sessão de apresentação de lucros daquele banco e pode ser lida (e ouvida) aqui.

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