Assim, “tout court” o eminente economista resume o debate à simplérrima dicotomia entre “os que interessa ouvir” e os “outros”. Qual “deus ex-machina” o professor da Universidade Católica lança para o limbo do squecimento as opiniões que lhe não agradam ou não lhe interessam ouvir, não sendo por isso de estranhar que se faça eco das teses apresentadas por Vítor Bento e resuma a questão à simples aplicação das cinco medidas a saber:
- restaurar a competitividade;
- redireccionar o investimento público e os incentivos ao investimento privado a favor do sector transaccionável;
- redireccionar os incentivos à produção, também a favor deste sector;
- flexibilizar o funcionamento da economia e nomeadamente do mercado de trabalho;
- reduzir, complementarmente, a procura interna para um nível mais sustentável.
Nenhum economista minimamente consciente pode deixar de reconhecer que do aumento da competitividade deverá resultar um aumento do produto e do rendimento, nem reconhecer as óbvias vantagens do investimento ser canalizado para os sectores geradores de receita; porém, a realidade económica é bem mais complexa que os subscritores desta estratégia pretendem fazer crer, porque além de existir mais que uma forma de aumentar a competitividade – e a mais eficaz e menos utilizada em Portugal é a do investimento na modernização e automação dos aparelhos produtivos – que não só a simplista redução dos custos do trabalho, também a realidade do tecido industrial nacional é bem diversa da dos países industrializados que Vítor Bento e César das Neves usam como modelo comparativo. Na prática o apelo que estes fazem ao investimento público é a clara confissão daquilo que procuram escamotear – a insuficiência do investimento privado.
Se numa economia desenvolvida e com um tecido empresarial financeiramente sólido pode fazer sentido que o investimento público privilegie os sectores não produtivos (saúde, segurança, etc.), já em economias como a portuguesa este tende a substituir os capitais privados inexistentes ou que os seus detentores preferem canalizar para os “off-shores” enquanto os paladinos da livre concorrência e dos equilíbrios financeiros, esquecendo (ou fingindo esquecer) esta realidade pugnam pela redução dos já de si parcos recursos canalizados pelo Estado para as áreas sociais, privilegiando o conceito neoliberal do “trickle-down economic”[1], algo de parecido com o que no tempo do Estado Novo era popularmente designado como a “caridadezinha”.
Na actual conjuntura nacional, onde pontifica a estagnação e o desemprego é crescente, apelar a medidas anti-recessivas que se pautem pelo agravar do rendimento real de quem trabalha em benefício de quem pouco mais investe que os benefícios que recebe do Estado não é apenas uma mistificação técnica do processo económico, é uma indignidade social.
Como o próprio Prof. declarou à revista VISÃO (nº874 de 3 de Dezembro de 2009) a questão salarial não é apenas uma questão de natureza económica mas fundamentalmente de natureza política, ficando assim o problema do aumento da competitividade (nos termos em que foi colocado) resumido à flexibilização do mercado de trabalho (que em linguagem corrente significará aumento na taxa de desemprego, com a consequente degradação das condições de vida de um número crescente de famílias, e aumento do trabalho precário), pelo que não será despiciendo pensar que os próprios autores estarão perfeitamente conscientes dos reais objectivos das suas teses, as quais apontam em última análise para a continuação de uma política orientada para a abertura incondicional das economias domésticas aos mercados internacionais e, consequentemente, a quem o condiciona.
Como a definição das regras de funcionamento daqueles mercados é determinada pelas grandes empresas e pelos seus accionistas (os grandes grupos económicos e umas poucas famílias financeiramente poderosas), forçoso se torna concluir que as teses neoliberais (as tais dos que interessa ouvir, na opinião de César das Neves) mais não fazem que submeter o interesse nacional (e o daqueles que cuja única mercadoria que dispõem é a sua própria força de trabalho) àqueles interesses colocando-nos a todos numa situação de mísera dependência.
Porque, cúmulo do cinismo, os economistas que interessa ouvir (ainda e sempre segundo a abalizada opinião de César das Neves) têm razão quando apontam os inconvenientes das políticas que nos têm conduzido a uma situação em que o endividamento público já se situa em 100% do PIB, mas as soluções que propõem são em tudo idênticas às práticas que nos conduziram àquele estado.
É que mesmo argumentando, como o fazem, de que o investimento público no sector transaccionável deverá gerar os meios para fazer face ao pagamento dos juros da dívida originada pelo investimento, esquecem duas realidades:
- estão a aconselhar a realização de investimentos em sectores e empresas em que o Estado deteve significativas participações e de cujas privatizações eles mesmos foram acérrimos defensores;
- a principal razão para o endividamento público arrastar qualquer economia para situações como a que a nossa atravessa é o facto dos tomadores dessa dívida serem maioritariamente as mesmas empresas financeiras a quem em tempos os estados entregaram o monopólio da criação de moeda;
que por si só demonstram as insuficiências e contradições de uma solução que não pode ser senão desesperada e, pior, ineficaz.
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[1] A teoria do “trickle-down economic”, particularmente cara às correntes neoliberais e monetaristas, pressupõe que as reduções nos impostos e nas taxas que beneficiem as empresas e os rendimentos mais elevados acabarão por beneficiar indirectamente a generalidade das populações; esta teoria baseia-se no princípio de que as classes de rendimentos mais elevados apresentam maior propensão ao aforro e ao investimento e que este gerará empregos e alimentará o conjunto da economia, enquanto as classes mais baixas, por terem maior propensão ao consumo não gerarão qualquer efeito benéfico.
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