quarta-feira, 24 de junho de 2009

REFORMA DISSE ELE...

Teoricamente a apresentação do plano da administração Obama para a reforma do sistema financeiro americano deveria merecer um minucioso trabalho de investigação e de cuidadosa avaliação das vantagens e inconvenientes de cada uma das principais medidas, que em poucas palavras se podem sintetizar em cinco pontos:
  1. maiores exigências de capital para os bancos mais importantes;
  2. regulamentação dos mercados financeiros;
  3. maior protecção aos consumidores e aos investidores;
  4. maiores poderes de intervenção nos bancos em risco de falência;
  5. padronização dos regulamentos e maior cooperação entre as entidades reguladoras;

que podendo ser todos muito importantes, nem por isso deixam a terrível sensação de que tudo não passa de um triste e infrutífero arremedo de reparar o irreparável.


Que o edifício financeiro norte-americano (e por extensão o mundial) se apresenta num lastimável estado de funcionamento ninguém terá grandes dúvidas, assim como poucos duvidam que grande parte da responsabilidade daquela degradação deriva das decisões tomadas há algumas décadas que reduziram ao mínimo dos mínimos os mecanismos de controlo e de supervisão.

Mas o que muitos persistem (e entre eles a equipa de conselheiros presidenciais) em não querer admitir é que dificilmente o actual sistema financeiro poderá ser “reparado” a ponto de se evitarem futuras “derivas” como a agora registada. O cerne da questão não é apenas a desregulamentação que Ronald Reagan proporcionou quando assinou o Garn-St. Germain Depository Institutions Act1, mas toda a filosofia financeira que subjaz ao actual sistema financeiro e que há muito deixou de servir os interesses gerais das populações para passar a constituir uma indispensável ferramenta de concentração de poder e de lucros num pequeno e reduzido número de pessoas.

Por isso, a questão fundamental a debater no momento não é tanto o modelo e a dimensão da regulamentação (ainda mais quando esta se mostra mais aparente que efectiva) mas sim a questão fulcral da criação da moeda, e por extensão do crédito2.

Enquanto se continuar a permitir que os sistemas financeiros criem de forma quase arbitrária a sua própria moeda e os governos nacionais abdiquem desse poder estratégico em benefício dos banqueiros e que os titulares de altos (e bem remunerados) gargos na banca transitem livremente entre esta e os organismos reguladores, dificilmente qualquer modelo de regulação funcionará de forma suficientemente efectiva para prevenir novos cenários de bolhas especulativas.

Outra importante iniciativa, para não dizer absolutamente indispensável, deveria ser a reintrodução da separação entre bancos comerciais e bancos de investimento, algo que no caso americano foi instituído durante o New Deal pelo Glass-Steagall Act3 e que Bill Clinton aboliu em 1999.

Mas como acreditar que a equipa económica de Obama, integrando nomes como o de Larry Summers (ex-conselheiro do mesmo Bill Clinton que aboliu o Glass-Steagall Act) e de Timothy Geithner (ex-presidente da Reserva Federal de New York) irá produzir algo que reduza na realidade o poder dos interesses instalados em Wall Street?
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1 Nome por que ficou conhecida a Lei do Congresso norte-americano que desregulou as actividades de poupança e empréstimos realizadas pelos bancos norte-americanos, a qual constituiu uma das principais contribuições para a crise que se registou na década de 80 do século passado e que voltou a estar na génese da crise do “subprime” registada em 2007. Como tantas outras leis americanas o seu nome resulta dos nomes dos dois senadores que a apresentaram, o Democrata Fernand St. German e o Republicano Jake Garn.
2 Sobre esta questão do crédito e da criação de moeda ver o “post” «A QUEDA DE UM ÍDOLO»
3 O Glass-Steagall Act foi instituído em 1933 e especialmente orientado para controlar e combater a especulação no sistema financeiro norte-americano. Entre as medidas nele constantes incluíam-se as regras que determinavam a separação entre bancos comerciais e bancos de investimento e impediam a fusão entre instituições de diferentes tipos.

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