quarta-feira, 17 de junho de 2009

AGITAÇÃO EM TEERÃO

Cerca de 40 mihões de iranianos foram chamados a votar na passada sexta-feira para eleger o presidente da República Islâmica do Irão e mal as urnas tinham encerrado, um dos candidatos – o reformista Mir Hossein Mousavi – apressou-se a anunciar uma vitória que os resultados oficiais não confirmaram.
Apesar das previsões e talvez até da enorme afluência que levou a prolongar a votação até à meia noite, o vencedor anunciado (com mais de 60% dos votos) foi o actual presidente, o conservador Mahmoud Ahmadinejad, facto que despoletou a pronta reacção dos apoiantes de Mousavi e rapidamente começaram a ocorrer as primeiras manifestações e os primeiros confrontos com as forças policiais.

A imprensa ocidental não se tem poupado a denunciar a farsa democrática (esquecendo ostensivamente de informar os seus incautos leitores que o regime iraniano é uma teocracia o que em caso algum pode ser comparável) e a aparente desproporcionalidade dos resultados atribuindo uma vitória na primeira volta ao candidato do regime e a reduzida expressão da votação em Mousavi (apenas 32,5% dos votos) tem servido para fundamentar a alegação de fraude eleitoral, tanto mais que o candidato reformador contava com fortes apoios até em alguns sectores do “establishment” islâmico, personificado no ex-presidente Ali-Akbar Hashemi Rafsanjani
1 e no reformista Mohammad Khatami2.

Enquanto as posições se radicalizam e as manifestações em apoio de Mousavi e de Ahmadinejad se sucedem, as altas instâncias iranianas procuram dar a imagem de uma situação de normalidade proibindo as manifestações, mesmo quando de forma inesperada o Líder Supremo, o ayatollah Ali Khamenei, mandatou o Conselho dos Guardiães para proceder a uma cautelosa recontagem dos votos.

O que aparenta ser uma primeira vitória dos contestatários pode ser (e quase seguramente será) um mero adiar do facto consumado, que foi (é) a reeleição de Ahmadinejad, pois a pesada máquina governativa iraniana continua profundamente marcada (e ocupada) pela hierarquica religiosa xiita.

À semelhança da quase totalidade das hierarquias religiosas a segunda coisa que os ayatollahs mais temem, após a heresia, é tudo o que se possa assemelhar a um processo no qual as massas populares imponham mudanças; por outras palavras: uma revolução.

A aparente aceitação das exigências populares não passará de uma manobra dilatória que em última instância jogará sempre a favor do poder e contra as oposições. E os ayatollahs sabem-no e nesta ocasião, como na época em que insuflaram a revolta contra o regime laico do ex-Xá3, não hesitarão em recorrer ao vasto arsenal de artifícios que o seu ascendente teológico sobre as populações lhes assegura.
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1Rafsanjani, tido como um conservador pragmático, exerceu o cargo de presidente entre 1989 e 1997, actualmente dirige dois dos mais importantes orgnismos do regime - o Conselho Legislativo e a Assembleia dos Peritos (o que o torna um dos possíveis candidatos ao lugar de Líder Supremo) - e é-lhe atribuída uma enorme influência ao nível económico.
2Khatami, que antecedeu Ahmadinejad no cargo, é um filósofo e um intelectual reformista defensor do diálogo das civilizações, teoria que desenvolveu em oposição à teoria do Choque das Civilizações de Huntington
3Mohammad Reza Pahlavi (segundo e último monarca da dinastia Pahlavi) ocupou o trono iraniano entre 1941 (ano em que os Aliados forçaram o pai, Reza Pahlavi, a abdicar em seu favor) e 1979, quando um vasto movimento popular que congregou islamistas, comunistas e liberais o forçou ao exílio e levou ao poder um regime teocrático liderado pelo ayatollah Ruhollah Khomeini. Outro forte sinal da estreita dependência do seu regime da tutela britânica e americana ocorreu em 1953 quando em resposta à nacioanlização da Anglo-Iranian Oil Company um golpe fomentado pelos serviços secretos daqueles dois países conduziu ao derrube do governo nacionalista liderado por Mohamed Mossadegh e a uma deriva ditatorial do monarca.

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