domingo, 22 de fevereiro de 2009

O IMPÉRIO DA IMPUNIDADE

Não têm faltado nos últimos dias notícias das mais variadas origens a reportarem o que se pode qualificar como um estado geral da falência de valores.

Depois da revelação dos esquemas fraudulentos de Bernard Madoff e de Allen Stanford (ambos inseridos no “fabuloso mundo financeiro” e envolvendo o recurso ao famigerado esquema de Ponzi, já aqui dissecado) e da súbita difusão de novas notícias sobre o “estranho caso do desaparecimento dos fundos para a reconstrução iraquiana”[1], ganhou também foros de notícia, em especial na imprensa britânica[2], a preparação das festividades de celebração do aniversário do Robert Mugabe, o presidente de um Zimbabwe onde o rendimento das populações não ultrapassa uns míseros cêntimos de euro.

Mas se o caricaturista Jeff Danziger retratou Mugabe e a elite militar que o apoia às costas do seu povo, como o faria sobre a inacreditável situação do desaparecimento de mais de 125 mil milhões de dólares (remetidos de Washington em maços de notas de 100) destinados à reconstrução das infraestruturas iraquianas?

Este caso, exemplo claro e elementar de corrupção e peculato, envolverá segundo as investigações mais recentes alguns dos militares responsáveis pela gestão do pós-guerra e o próprio Pentágono, uma vez que o desaparecimento de fundos deste montante e a evidência da total ausência de obras de reconstrução não poderiam ter passado em claro ao conjunto da estrutura militar.

À boa maneira americana, já existem nomes de responsáveis sob investigação – Anthony B. Bell, um coronel do exército já na situação de reserva, Ronald W. Hirtle, tenente-coronel da Força Aérea e Robert J Stein Jr, um antigo responsável para a zona centro-sul do Iraque, suspeitos de corrupção e apropriação de fundos, mas quando se constata a forma completamente leviana como muitas das nomeações tiveram lugar, fácil se torna concluir que além destes casos agora falados também importava esclarecer os mecanismos de corrupção e de nepotismo que a administração Bush favoreceu.

Escândalos como o do iraquiano, ex-gerente de uma loja de pizzas em Bona, responsável pela aquisição de armamento no Ministério da Defesa do Iraque, ou o do jovem americano (24 anos) oriundo de boas famílias republicanas a quem foi entregue a gestão da Bolsa de Bagdad obrigada a encerrar por este se ter esquecido de renovar o contrato de leasing das instalações[3], apontam para níveis de responsabilidade bem mais elevados, para o pântano de interesses e para a teia de corrupção urdida com a passagem pela administração Bush das grandes figuras neoconservadoras, como Donald Rumsfeld[4], Paul Wolfowitz[5] e Dick Chenney[6].

Se no caso de Mugabe se pode, e deve, falar da incomensurável imoralidade de um governante que se rodeia de todos os luxos quando o povo que governa vive na maior das misérias (nada que seja específico deste país nem do continente africano), no de Madoff ou de Stanford pode-se falar em verdadeiro crime de abuso de confiança (ainda que não seja menos verdade que burlas desta natureza apenas ocorrem se puderem contar com o beneplácito das autoridades e com a estupidez e a ganância dos “lesados” que acreditaram na possibilidade de beneficiarem de remunerações muito superiores ás do mercado financeiro), tudo se torna ainda mais grave no caso do desvio de fundos do Iraque, que não constitui apenas um crime de peculato e apropriação indevida de dinheiro mas, pior, um verdadeiro crime contra a humanidade por prejudicar de sobremaneira aqueles que sofreram as agruras de uma invasão injustificada.

Este não é, infelizmente, o único caso de corrupção registado no Iraque após a intervenção norte-americana; além do desaparecimento de armas temos ainda o não menos preocupante caso do esbulho do património histórico e cultural do Museu Nacional do Iraque e o saque da Biblioteca Nacional do Iraque (tema que abordei no “post” «O SAQUE DAS REFERÊNCIAIS CULTURAIS») que originaram incalculáveis prejuízos ao Iraque e à Cultura mundial e que permanecem por resolver até à data.

No conjunto todos eles representam uma forma desajustada de ver (e viver) uma realidade onde parece imperar um absoluto sentimento de impunidade e onde a apologia do interesse próprio e do individualismo cilindrou o que pudesse ter restado de probidade e de sentido de responsabilidade.
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[1] Entre as muitas notícias destaque-se esta do NEW YORK TIMES e outra do britânico THE INDEPENDENT, por chamar especial atenção para a sua dimensão.
[2] O TIMES ONLINE vai ao ponto de enumerar uma lista que inclui: 2.000 garrafas de champanhe (de preferência Moët & Chandon ou ’61 Bollinger), 8.000 lagostas, 100kg de camarão, 4.000 doses de caviar, 8.000 caixas de chocolates Ferrero Rocher, 3.000 patos e muito mais.
[3] Os dois casos foram referidos pelo THE INDEPENDENT, na notícia «A “FRAUD” BIGGER THEN MADOFF»
[4] Foi secretário de estado da defesa da administração de George W Bush (como já o fora no tempo de Gerald Ford) e um dos grandes obreiros da fundamentação para a reaplicação de torturas aos prisioneiros iraquianos e afegãos, além do seu envolvimento em mal esclarecidos casos de favorecimentos a empresas do sector farmacêutico (Searl) e agro-alimentar (Monsanto) e ainda a famigerada epidemia da gripe aviaria (assuntos que abordei no “post” «PORQUE NÃO RESULTAM AS CRÍTICAS A RUMSFELD?»
[5] Foi subsecretário de estado da defesa da administração de George W Bush no período da invasão do Iraque e depois presidente do Banco Mundial, organismo donde foi afastado sob a acusação de nepotismo (assunto que abordei nos “posts” «QUEM O MAU AMA… BOM LHE PARECE» e «A CULPA É DO MACACO»).
[6] Vice-presidente na administração de George W Bush, tinha sido secretário de estado da defesa na administração de George Bush (pai) e ex-presidente do conselho de administração da Halliburton, conglomerado que engloba empresas dos sectores químico (incluindo petróleo) e construção. Durante toda a sua passagem pela administração foram correntes os rumores e as notícias (como esta da CBS) de que manteria intactas as suas ligações àquela empresa, factos que talvez expliquem o teor de uma notícia do DN, sob o título «EUA alvo de inquérito por corrupção no Iraque», refere mesmo «...a possibilidade da Halliburton, empresa ligada ao ex-vice-presidente Dick Cheney, estar envolvida no esquema de corrupção e fraude e que a investigação feita à aplicação da resolução da ONU, petróleo por mantimentos, terá sido para desviar as atenções do que se passava no Iraque».

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