quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O PROBLEMA É O CRÉDITO

Quando os cenários macroeconómicos se apresentam pouco animadores é natural que as pessoas procurem os mínimos sinais de que algo vai melhorar.

Talvez por isso as notícias que referem a regular descida da EURIBOR sejam particularmente bem recebidas (como esta do DIÁRIO ECONÓMICO), mesmo quando o seu real efeito sobre a economia parece bem diverso, como refere estoutra do DIÁRIO DE NOTÍCIAS que assegura que os «bancos já cobram juros mínimos de 10% às PME» e apenas confirma, como há dias anunciava a página on-line PORTUGAL DIÁRIO, o que também muitas famílias sentem quando os bancos «aproveitam a renegociação para subir “spreads».

Esta realidade – descida da taxa do BCE e subida das taxas de juro praticadas pelos bancos comerciais – é apenas mais uma das faces da actual crise. Quando o FED e o BCE (os bancos centrais americano e europeu) deram início à estratégia de combate à recessão mediante injecções de liquidez na banca e redução das taxas de juro das respectivas moedas tê-lo-ão feito na expectativa de que a crise de liquidez fosse colmatada, recuperada a confiança no mercado interbancário e que a descida das taxas facilitasse a retoma da actividade económica.

A ideia de Ben Bernanke e de Jean Claude Trichet (respectivamente presidentes do FED e do BCE), talvez pudesse ter resultado se a crise despoletada pelo “subprime” se tivesse resumido, como pensavam, a mais uma bolha especulativa. Sucede é que instalada a desconfiança entre os bancos (especialmente receosos da solvabilidade dos parceiros), estes adoptaram o comportamento que melhor os poderia proteger – os que dispunham de liquidez reduziram ao mínimo as cedências de fundos aos habituais parceiros de negócios. ´

Este elementar mecanismo de auto-preservação teve como primeira consequência a subida das taxas interbancárias, com base nas quais é fixado o indexante mais utilizado nas restantes operações de crédito no espaço do euro: a EURIBOR[1]. A importância desta taxa, que depende em primeira instância da taxa directora do BCE e serve de referencial para praticamente todos os financiamentos que ocorrem na zona Euro, terá motivado a decisão daquele banco central de reduzir até ao valor de 2% a sua taxa directora.

Segundo os defensores das teorias monetaristas[2] os esforços mais ou menos concertados entre os principais bancos centrais deveriam estar a produzir efeitos na reanimação da economia, porém o que assistimos é a algo bem diverso, seja porque a teoria nunca contemplou senão os instrumentos monetários (quantidade de moeda e taxa de juro) e a economia, no seu sentido mais amplo, engloba variáveis muito mais complexas, seja porque a crise que atravessamos ultrapassa em muito os contornos de uma mera crise financeira.

A redução das taxas directoras não está a ter o desejado efeito de relançamento da economia porque, contrariamente ao afirmado por muitos especialistas o verdadeiro problema não está na falta de liquidez (ou até de confiança), mas sim no excessivo endividamento dos Estados, das empresas e das famílias, processo que foi suportado e alavancado em pressupostos de valorização irreal dos activos (empresas e imóveis).

Talvez mais conscientes desta realidade (ou agindo por mero oportunismo de mercado) e para tentar minimizar ou reduzir o risco, os bancos estão a aumentar os “spreads” sob o argumento de que o risco de crédito é agora maior.

Este argumento não sendo despropositado nem por isso deixa de merecer alguns reparos, como aquele que resulta do facto de ainda há bem pouco tempo os mesmos bancos não mostrarem a mínima preocupação por tal situação, concentrando-se apenas em aumentar regularmente os volumes de crédito contratado. Este comportamento egocentrista, fruto da ânsia dos administradores dos bancos quererem ver crescer anualmente os respectivos prémios, e de verdadeira miopia financeira, a par com a fragilidade financeira da generalidade do tecido empresarial português (em consequência da diminuta dotação de capitais próprios), resultou na situação de sobreendividamento que hoje se conhece.

Por outras palavras, o problema não está no crédito; o problema é o crédito... em excesso!
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[1] A EURIBOR ou Euro Interbank Offered Rate, é uma taxa de referência baseada na media diária das taxas de juro a que os bancos cedem euros, sem garantias, uns aos outros no Mercado interbancário. O seu cálculo é realizado com base nas taxas praticadas pelo seguinte painel de bancos europeus (Erste Bank der Österreichischen Sparkassen, RZB - Raiffeisen Zentralbank Österreich AG (Áustria); Dexia Bank, Fortis Bank, KBC (Bélgica); Nordea (Finlândia); BNP-Paribas, Natixis, Société Générale, Crédit Agricole,. HSBC France, Crédit Industriel et Commercial CIC (França); Landesbank Berlin, Bayerische Landesbank Girozentrale, Deutsche Bank, Dresdner Bank, Landesbank Hessen - Thüringen Girozentrale, WestLB AG, Commerzbank, DZ Bank Deutsche Genossenschaftsbank, Landesbank Baden-Württemberg Girozentrale, Norddeutsche Landesbank Girozentrale (Alemanha); National Bank of Greece (Grécia); AIB Group, Bank of Ireland (Irlanda); Banca IntesaBci, Monte dei Paschi di Siena, UCI Milan (Itália); Banque et Caisse d'Épargne de l'État (Luxemburgo); ABN Amro Bank, ING Bank, Rabobank (Holanda), Caixa Geral de Depósitos (CGD) (Portugal), Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, Banco Santander Central Hispano, Confederacion Española de Cajas de Ahorros (Espanha)), extra europeus; (Barclays Capital (Reino Unido); Svenska Handelsbanken (Suécia) e Den Danske Bank (Dinamarca) e internacionais: Bank of Tokyo - Mitsubishi, Citibank, J.P. Morgan Chase, UBS (Luxembourg) S.A.
[2] A teoria monetarista defende que é possível manter a estabilidade de uma economia através de instrumentos monetários; foi inicialmente desenvolvida por Irwin Fisher, baseada na teoria quantitativa da moeda, surge associada à teoria neoclássica da formação de preços e ao liberalismo económico e em oposição às teorias keynesianas. Entre os seus maiores defensores conta-se a Escola de Chicago onde pontificaram George Stigler e Milton Friedman, ambos laureados com o Prémio Nobel da Economia, tendo-se este último notabilizado pelo extremismo das suas teses anti regulamentação da economia e a favor de um liberalismo e desregulamentação quase absolutos.

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