quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

PEARL HARBOR, OUTRA VEZ?

Que melhor oportunidade haverá que a passagem de mais um ano sobre a data em que ocorreu o ataque japonês a Pearl Harbor – 7 de Dezembro de 1941 – para repensar esse acontecimento?

A data que ficará marcada pela infâmia[1], tal como outros acontecimentos nos EUA[2], também se encontra rodeado em polémica, tanto mais que foi inegavelmente útil para fortalecer a posição do então presidente Franklin D Roosevelt que preconizava a participação americana na II Guerra Mundial em oposição a um Congresso que preconizava a manutenção do apoio à Inglaterra mas sem o envolvimento directo de tropas norte-americanas.

Para a história oficial ficaram os resultados do ataque: a frota norte-americana do Pacífico praticamente destruída e a entrada dos EUA na guerra contra o Japão e Alemanha; para os historiadores e analistas que continuam a estudar o evento ficam as dúvidas em torno das razões que terão levado o presidente Roosevelt a ordenar a transferência da frota da costa oeste para o Hawai onde ficaria muito mais exposta[3], da razão para terem sido ignorados os avisos, quer de fontes diplomáticas quer dos serviços de inteligência, que a acção estaria em preparação e até da notável apatia revelada pelas forças americanas estacionadas no local.

Admitir que alguém possa ter assumidamente enviado milhares de homens para funcionarem como “isco” a um ataque inimigo é para muita gente uma impossibilidade e a simples formulação dessa hipótese constitui sinal de absoluta paranóia dos seus autores, que vulgarmente são identificados com o libelo da “teoria da conspiração” e sob a administração de George W Bush com o de “traidores”.

Mas o pior é que este tipo de cenário pode voltar a acontecer!

Pelo menos é isso que pensam alguns analistas a propósito do latente conflito entre americanos e iranianos. Entre aqueles conta-se um professor universitário e investigador australiano que publicou recentemente um trabalho sobre a possibilidade da Quinta Esquadra norte-americana poder conhecer um fim idêntico; segundo as suas próprias palavras «os planos dos EUA para um ataque ao Irão contemplam o sacrifício da Quinta Esquadra, de forma a justificar uma retaliação nuclear. Não se trata de um cenário hipotético mas sim de uma opção real que tem sido discutida pelos altos comandos militares. De acordo com as nossas fontes, o almirante William Fallon[4] clarificou que recusaria cumprir semelhante ordem e pediria a demissão conjuntamente com os restantes comandantes do CENTCOM[5]. Até agora apenas a resistência dos oficiais superiores da Marinha e do Exército tem evitado que os neoconservadores e a Força Aérea tenham desencadeado as operações».

Este cenário, assim sucintamente descrito, carece de melhor explicação e merece bem uma especial atenção. Tanto quanto vai chegando ao conhecimento público terá sido elaborado, no interior da administração americana, um plano de acção para gerir a crise iraniana visando uma escalada progressiva que em última instância justifique o recurso a um ataque nuclear.

Como será difícil de explicar o recurso a semelhante tipo de armamento, nada melhor que fornecer ao público uma catástrofe (naturalmente provocada pelo inimigo) amplamente justificadora de uma retaliação sem precedentes, ainda que para isso seja necessário escamotear os catastróficos resultados dos exercícios militares realizados em 2002 – Millennium Chalenge – que serviram de preparação para a invasão militar ao Iraque levada a cabo no ano seguinte. Durante esses exercícios o “estado árabe inimigo”, cujas “tropas” eram dirigidas pelo general Paul Van Riper, logrou aniquilar a Quinta Esquadra americana e inviabilizar a acção invasora[6].

Transpondo aquele resultado para um cenário de confronto com o Irão que se sabe dispor de mísseis de cruzeiro de fabrico russo, do tipo SS-N-22 e SS-N-X-26, também conhecidos pelas designações “Sunburn” e “Yakhonts”, com raios de alcance da ordem dos 200km e 300km, recordando os efeitos devastadores que os hoje antiquados mísseis Exocet tiveram na esquadra inglesa durante a guerra das Malvinas e sabendo que aquela geração de mísseis se encontra dotada de meios electrónicos contra os quais os sistemas de radar naval Aegis, que equipam os navios americanos, são impotentes[7], ainda mais fácil se torna entender o que poderá acontecer a uma esquadra naval com fraca protecção electrónica, totalmente exposta na sua base naval no Bahrain, que dista cerca de 240 km da costa iraniana, e reduzida capacidade de manobra no estreito Golfo Pérsico, que facilmente poderá ser encerrado na zona do Estreito de Ormuz.

Esta hipótese não pode ser encarada como meramente académica enquanto os neoconservadores que dominam a administração Bush persistem em identificar o Irão como o próximo alvo a abater e tal como fizeram antes com o Iraque, nem mesmo as evidentes provas de que as acusações lançadas carecem de fundamento os parece fazer abrandar.

As sucessivas declarações da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) e do seu director-geral Mohamed ElBaradei que recusam a evidência de que o Irão esteja em vias de produzir armamento nuclear, têm sido sucessivamente menosprezadas e ridicularizadas, no afã de manter viva a justificação para mais uma acção militar norte-americana. Mesmo quando a recente publicação de um relatório dos serviços secretos americanos vem confirmar que o Irão não dispõe de armamento nuclear – o programa que existiu terá sido suspenso em 2003, por pressão da comunidade internacional – nem existe fundamento para admitir que o possa alcançar por meios próprios antes de 2012 ou 2015, membros da administração Bush persistem nas suas intenções dizendo agora que se o Irão não é ainda uma ameaça real, pode muito bem vir a sê-lo!

Confirmando os piores cenários – o há muito confessado desejo de atacar o Irão –, no mesmo dia em que eram apresentadas as conclusões daquele relatório, fontes de informação israelita anunciavam a chegada ao Golfo Pérsico do porta-aviões USS Harry S. Truman, juntando-se aos USS Enterprise e USS Nimitz, já estacionados naquela região. Esta notícia apenas pode ser entendida como mais um passo no sentido da concertação de estratégias entre os falcões norte-americanos e israelitas, que serão, em primeira instância os grandes beneficiados pela substituição do governo iraniano que acusam de principal apoiante dos radicais palestinianos do Hamas e libaneses do Hezbollah.

A ânsia dos neoconservadores e do loby judaico é tanta que face à fragilidade da argumentação nuclear contra o Irão, já começaram a alterar o seu discurso, acusando-o agora de apoiar a “insurreição” iraquiana[8] que até então era associada à Al Qaeda – a habitual bête noir justificadora da inventada guerra contra o terror. Este portentoso passe de mágica argumentativa que, da noite para o dia, transformou os “insurgentes” iraquianos de sunitas (facção religiosa que constituirá a principal base de recrutamento da Al Qaeda) em xiitas (facção maioritária no Irão e no Iraque), isto depois de ter pretendido associar o regime laico de Saddam Hussein à Al Qaeda na fase de maior contestação à tese das armas de destruição em massa iraquianas, com que justificaram a invasão do Iraque.

Perante tantas e tão diversas manobras para justificar e/ou iniciar uma nova frente de guerra, ocorrências como a registada em finais de Agosto, quando um bombardeiro B-52, que deveria estar estacionado na base aérea de Minot, no Dakota do Norte, carregado com seis mísseis de cruzeiro equipados com ogivas nucleares, foi encontrado perdido na base aérea de Barksdale, no Louisiana[9], podem, e devem, ser analisadas sob uma perspectiva muito mais atenta.

Quando se descobrem violadas todas as regras de segurança respeitantes ao manuseio de armamento nuclear, e é por demais público o afã da administração norte-americana para se envolver numa escalada bélica, mais do que procurar e sancionar os responsáveis importa analisar o facto e inseri-lo, naturalmente, num contexto bem mais vasto. Quem, de boa fé, poderá negar a elevada hipótese de ter estado em curso uma manobra sub-reptícia para provocar um incidente nuclear e lançar a responsabilidade sobre os iranianos?

Até mesmo para os indefectíveis crentes de “glutões” e outros “milagres”[10] será difícil negar esta possibilidade!
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[1] Referência directa aos termos do discurso com que Franklin D Roosevelt se dirigiu ao Congresso no dia 8 de Dezembro de 1941, pedindo a declaração do estado de guerra.
[2] Estou a referir-me, por exemplo, aos até agora mal explicados assassínios do presidente John F. Kenedy, no dia 22 de Novembro de 1963 em Dallas, Taxas, do seu irmão Robert, no dia 5 de Junho de 1968, em Los Angeles, dos activistas pelos direitos dos negros Malcom X, no dia 21 de Fevereiro de 1965, em Harlem, Martin Luther King, no dia 4 de Abril de 1968, em Memphis, Tennessee e, mais recentemente dos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001 (para mais informação sobre qualquer destes acontecimentos bastará o uso de qualquer motor de busca; especificamente quanto ao último, por ser um tema que já aqui abordei várias vezes, ver por exemplo: 11 DE SETEMBRO DE 2001, em Setembro deste ano, NINE ELEVEN – PARTE I, NINE ELEVEN – PARTE II e NINE ELEVEN – PARTE III, em Setembro de 2006).
[3] Havia inclusive experiência militar dessa realidade, pois em 1932 e em 1938 tinham sido realizadas manobras militares pela US Navy que confirmaram essa vulnerabilidade (ver Pearl Harbor: A Warning Unheeded, que Gary Rethford publicou em 1998 no jornal THE TRUMPET) e um ano antes a Royal Navy, comandada pelo almirante Andrew Cunningham, lançara com clamoroso sucesso um ataque aéreo contra a frota italiana estacionada em Taranto (ver, entre outros, Historical Revue Press).
[4] Piloto aviador naval que actualmente exerce o comando do US Central Command.
[5] CENTCOM designação militar do US Central Command ou, o comando das forças de intervenção rápida norte-americanas.
[6] Ver a propósito esta notícia do jornal britânico GUARDIAN.
[7] Ambos os tipos de mísseis se encontram dotados de contramedidas electrónicas para escapar aos radares Aegis, mediante tecnologias furtivas e manobras evasivas de voo de aproximação tornam praticamente inoperacionais aqueles sistemas de protecção, ao ponto de se lhes atribui a decisão norte-americana de interromper a construção de mais porta-aviões até que disponham de meios de protecção mais eficazes.
[8] Esta estratégia foi especialmente impulsionada com a aprovação em finais de Setembro pelo Congresso da classificação do Corpo de Guardas da Revolução Iraniana como organização terrorista, que assim dará cobertura a qualquer acção militar norte-americana em território iraniano.
[9] Ver a notícia tal como foi difundida pela insuspeita CNN.
[10] Referência ao célebre anúncio do detergente que usa “glutões” para eliminar as nódoas.

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