sábado, 1 de dezembro de 2007

UMA LIÇÃO SOBRE A POBREZA DOS PAÍSES RICOS

Quando já decorreram mais de duas semanas sobre a vaga de greves com que os sindicatos franceses procuraram responder às novas políticas sociais do governo de Nicolas Sarkozy e já foi possível ler algumas das análises feitas sobre o assunto, parecem-me de destacar alguns pontos dignos de menção.

O primeiro e que já aqui referi é que existe uma óbvia diferença entre a resposta sindical francesa e, por exemplo, a portuguesa; enquanto entre nós se esboçaram uma outra crítica mais dura e se procedeu ao pro forma de organizar um ou outro dia de greve (veja-se a greve da função pública ontem realizada), inócuo e inconsequente, em França os membros dos sindicatos mais afectados não hesitaram em avançar com a marcação de vários dias de greve.

Mesmo que os resultados práticos estejam ainda por avaliar, muita da imprensa europeia revelou-se na sua generalidade apoiante das “reformas” que o governo francês pretende introduzir. Desde o italiano LA STAMPA[1] que defendeu que é preciso construir novas garantias sociais, aplicáveis a todos, em vez de manter as garantias parciais existentes, passando pelo holandês TROUW[2] que apoiou a necessidade de acabar com a injustiça social que constituem com as reformas vantajosas dos trabalhadores de alguns sectores de actividade quando não existem condições (leia-se reservas financeiras) para sustentar aqueles pagamentos numa população que envelhece rapidamente, muitos parecem apoiar os princípios do equilíbrio e da igualdade de direitos, desde que estes sejam nivelados pelos mínimos.

Lógica diferente sustentou Mark Steel[3] nas colunas do britânico THE INDEPENDENT, quando denuncia a prática neoliberal, tornada moeda corrente, de privilegiar os benefícios dos mais ricos em detrimento de outra que proporcione a resolução dos desequilíbrios sociais.

Em resumo, como o próprio o escreve, o «…argumento contra as greves é o já gasto chavão de que as forças envolvidas estão a defender privilégios, tais como o direito à reforma após 30 anos de trabalho, insustentáveis. Um economista que apoiasse o governo francês diria, “uma coisa foi beneficiar dessas pensões nos anos 60 quando éramos muito mais pobres, mas agora que a sociedade é bem mais rica os benefícios terão que ser rateados. Como é do senso comum quanto mais ricos somos menos coisas podemos ter”» para mais adiante continuar a explicar que os «…defensores do regateio desses “privilégios” vão ao ponto de explicar que estes mutilam a economia fazendo com que cada um fique ainda pior. Presumivelmente os franceses deveriam ser mais parecidos com os ingleses, porque nós fomos suficientemente previdentes para termos piores esquemas de previdência e a nossa semana de trabalho é cerca de 2,63 horas mais longa que a francesa. Isso, como é evidente, faz com que beneficiemos, mas ainda estamos longe das economias verdadeiramente modernas, como a birmanesa, onde não existe segurança social e as pessoas ou trabalham dia e noite ou são espancadas com bastões.
[…]
Vendo como o novo governo francês está determinado em esmagar a cultura dos privilégios injustificados, Nicolas Sarkozy deve estar familiarizado com os personagens que ocupam o topo da lista dos franceses mais ricos. O primeiro dessa lista é uma surpresa; enganam-se se pensavam que seria um ferroviário barbudo, pois na realidade é Bernard Arnault, presidente da Christian D’or, que vale qualquer coisa como 21 mil milhões de dólares. A avaliar pelos resultados deve pertencer a um sindicato bem desactualizado».

O autor não termina sem lembrar que apesar da economia francesa ter crescido a taxas idênticas ao resto do ocidente durante os últimos 10 anos, verifica-se uma ligeira diferença é que o 1% mais rico não viu a sua riqueza triplicar durante aquele período de tempo, como aconteceu em Inglaterra e nos EUA.

Sarkozy representa, seguramente, a ala dos magnatas franceses que pretendem ver ainda mais aumentados os seus ganhos, mas quando um governo, como o que aquele dirige, pretende reduzir as pensões de reforma, encerrar 200 tribunais, reduzir 11.000 professores primários e privatizar parte do sistema universitário não se tratam de medidas avulsas, mas sim de um padrão de actuação já aplicado naqueles países.

Este é um retrato simplista da situação em França, mas tudo o que aqui foi dito se pode aplicar ipsis verbis ao governo socialista que dirige os destinos nacionais, excepto nos pormenores que à oposição e à contestação às políticas governamentais se refere.

Os muito louvados brandos costumes nacionais já nos custaram no século passado uma longa ditadura de 40 anos e um processo de transição para a democracia que não eliminou os estigmas daquele regime e actualmente corremos o risco de assistirmos pacificamente à destruição das poucas melhorias que o fim da política económica bulionista[4] do Estado Novo nos proporcionou. Exemplo deste estado de quase inanição é-nos dado pela entrevista que no último fim-de-semana Mário Soares deu ao DN e à TSF, quando afirma, por exemplo, que «…é chocante ver como as desigualdades sociais se agravaram nos últimos tempos. Tem de se lutar contra isso [...] Agravaram-se porque houve uma vaga neoliberal [...] que entrou [...] Em grande parte via [Tony] Blair»

Mais que uma vez o velho líder do PS, ex-primeiro ministro e ex-presidente da república, andou perto de afirmar que faltou uma verdadeira oposição àquela vaga (ainda foi reconhecendo que os «…partidos da esquerda foram contra, pelo menos o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda foram contra desde o início»), mas tal como todos os que permitiram a chegada aos centros de decisão de uma nova casta de governantes sustentados principalmente em ligações aos interesses económicos e aos meios de comunicação que estes sustentam, alicerçados no princípio do “politicamente correcto” e, fundamentalmente, desprovidos de princípios éticos e de ideologia própria (excepto a da conquista do poder pelo poder), também agora Mário Soares ficou longe de chamar os bois pelos nomes e contribuir para quebrar (por uma vez ) o “nacional porreirismo” em que, os que almejam ser cada vez mais ricos à custa de uma vasta maioria cada vez mais miserável, nos obrigam a viver há séculos.
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[1] Citações a partir dos resumos de imprensa do COURRIER INTERNATIONAL.
[2] Citações a partir dos resumos de imprensa do COURRIER INTERNATIONAL.
[3] Escritor e comediante, colunista regular do jornal britânico THE INDEPENDENT.
[4] Teoria económica que avalia a riqueza a partir da quantidade de ouro e outros metais preciosos acumulados; privilegiando a acumulação em detrimento do investimento produtivo. Esta corrente, que conheceu o seu período áureo entre os séculos XV e XVIII, defendia uma versão ainda mais extremista que os mercantilistas por não revelarem qualquer preocupação com a vertente produtiva da economia.

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