segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

FAÇAM O FAVOR DE SER FELIZES

Perante as notícias que a imprensa tem divulgado nos últimos dias[1] ainda haverá quem pense que o acontecimento do ano não foi a chamada crise do “subprime”?

Despoletada em meados de Agosto, tratada pelos especialistas como uma mera crise de liquidez originada no incumprimento das famílias norte-americanas menos preparadas financeiramente para acompanhar a subida dos juros do crédito imobiliário, tem vindo a ser alvo da aplicação de medidas paliativas pelos bancos centrais. Mês após mês, semana após semana, temos assistido a sucessivas injecções monetárias dos bancos centrais (FED, BCE, Banco de Inglaterra, etc.) e até à redução de taxas directoras (como fez o FED), mas, como dizem os especialistas, os mercados continuam a revelar pouca confiança e a fazer subir regularmente as taxas interbancárias, porque fundamentalmente os banqueiros sabem perfeitamente que a crise está longe de ser um fenómeno conjuntural e, desconhecendo o risco assumido pelos seus parceiros de actividade optam por aumentar as taxas e reduzir os montantes disponíveis no mercado interbancário.

Os analistas que se limitam a observar a superfície do problema classificam-no como uma crise de confiança e, zelosos discípulos dos sacrossantos princípios do mercado, insistem em que a curto prazo tudo voltará à normalidade. A realidade, como temos vindo a assistir, é bem diversa e o que realmente teremos pela frente em 2008 será um cenário de crescente consolidação de uma crise. Isto mesmo já veio a reconhecer a Comissão Europeia, que no seu último relatório trimestral sobre a Zona Euro admite que a crise já chegou à economia real; ao reconhecer uma redução no crescimento das economias da Zona Euro o relatório mais não faz que deixar claro o logro que os analistas mais optimistas têm persistido em difundir, a quem nem o recurso às sucessivas injecções monetárias pelos bancos centrais parece ter convencido da dimensão e profundidade do problema.

Ao mesmo tempo que os bancos centrais vão injectando cada vez mais dinheiro no sistema financeiro, aumentaram o número de notícias sobre a fragilidade dos bancos mais expostos aos efeitos directos do incumprimento no imobiliário e até nomes sonantes como os do Barclays, do Morgan Stanley, do Bear Sterns, do Crédit Agricole e da UBS vão anunciando enormes prejuízos e nalguns casos a “entrada” de capitais chineses[2].

Numa economia cada vez mais globalizada e fortemente dependente do crédito não é de espantar que a difícil situação da economia norte-americana, muito fragilizada pela elevada dívida externa, pelos custos acrescidos com as intervenções militares no Afeganistão e no Iraque e pela elevada deslocalização do seu tecido produtivo para mercados com mão-de-obra mais barata, “infecte” rapidamente os seus parceiros comerciais, tanto mais que a apregoada sofisticação dos modernos instrumentos financeiros quase eliminou a possibilidade de uma adequada avaliação dos riscos subjacentes.

Embora muitos especialistas considerem que se deve a essa mesma sofisticação (na prática traduzida numa maior dispersão do risco) o facto das crises mais recentes terem sido ultrapassadas sem os efeitos desastrosos como os que se registaram durante a Grande Depressão, ainda estamos longe de podermos garantir que o mesmo ocorra com esta.

Seguro, é que em 2008 iremos assistir ao aumento das dificuldades de financiamento das empresas e das famílias, que na Zona Euro se deverão fazer sentir os efeitos de uma praticamente garantida recessão do consumo americano, através da redução das exportações, e que o primeiro semestre do novo ano servirá para confirmar, ou não, a tendência de crescimento da inflação e o mais temido dos cenários económicos para os teóricos da especialidade – a estagflação[3].

Perante este cenário, que me parece longe de se poder considerar utópico, resta-me recorrer a uma frase que há uns anos Raul Solnado contribuiu para popularizar: FAÇAM O FAVOR DE SER FELIZES...
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[1] Entre outras, publicadas em jornais nacionais e estrangeiros, ler:ECB lends $500bn to lower rates, BCE e FED anunciam novas injecções de liquidez no mercado, BCE injecta 348 mil milhões de euros no sistema financeiro, BCE injecta 348,6 mil milhões de euros no mercado monetário, Acção conjunta dos bancos centrais não acalma bolsas, Banco de Inglaterra disponibiliza 11.350 milhões de libras, BCE enche mercado de dinheiro e Euribor cai.
[2] Ver, por exemplo, La banque chinoise Citic forme une alliance avec l'américaine Bear Stearns, La Chine renfloue la banque Morgan Stanley, fragilisée par la crise des "subprimes", La crise des "subprimes" devrait coûter 1,6 milliard d'euros au Crédit agricole en 2007,
[3] Estagflação é um termo criado para definir uma situação em que se verifica a coexistência de elevado desemprego de factores económicos (estagnação) e de elevadas taxas de inflação.

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