domingo, 4 de março de 2007

A RÚSSIA, OS EUA E TODOS NÓS

Devo ao Professor Luciano Amaral e à sua inesgotável sanha para criticar e condenar tudo o que de “esquerda” lhe possa parecer (prática em que até parece mais um dos que tardiamente se deixaram encantar por outras “sereias” e fruto da maior necessidade de permanentemente provarem a sua nova lealdade) e ao seu mais recente artigo de opinião no DN, a oportunidade para retomar o teor do discurso de Vladimir Putin na última conferência sobre segurança europeia[1].

Tal como título do artigo sugere (A Rússia, a Itália e a esquerda) Luciano Amaral mistura ingredientes, marina-os com uma pitada de verborreia e conclui que a «…esquerda hoje não gosta muito do que existe, mas também não oferece um horizonte ulterior…» não sem antes se ter esquecido de lançar sobre os seus detestados adversários o anátema de execrarem a sociedade ocidental e abominarem a América. Contrariamente ao que tão rotunda e dogmática afirmação possa sugerir, não se baseia o seu autor na análise e apresentação de razões, factos e acontecimentos mas simplesmente por Putin ter publicamente denunciado o verdadeiro objectivo da estratégia norte-americana que consiste em assegurar a supremacia do seu arsenal nuclear.

As reacções da imprensa e dos defensores da política norte-americana apenas servem para reforçar a importância daquele discurso num momento em que as tensões entre o ocidente e os estados árabes parecem estar a atingir um novo pico. Afirmar que o principal objectivo da administração de George W Bush não é o combate ao terrorismo (como ela própria pretende) mas assegurar uma posição de total hegemonia político-militar, não constitui uma novidade absoluta, mas ouvi-lo da boca do principal alvo e durante uma conferência patrocinada pelas próprias potências ocidentais terá sido demasiado forte.

Mesmo recordando, como muito bem o faz Luciano Amaral, que a Rússia não pode reclamar demasiado o papel de defensor do multilateralismo quando também ela usa e abusa de posições de dominância sobre alguns dos seus vizinhos, não deixa de ser relevante o facto do seu presidente ter recusado a ideia da existência de um mundo unipolar e de ter considerado semelhante hipótese como inaceitável, impossível na actualidade e perigosa para quem o praticar. Na análise que na oportunidade apresentou da situação, Putin foi mesmo um pouco mais longe e apontou a actuação americana como responsável pela proliferação da corrida armamentista entre os estados que se vão sentindo cada vez mais ameaçados, facto que aquele comentador não refere, nem mesmo para o tentar refutar.

A crescente oposição à política norte-americana não se circunscreve, como tenta fazer crer Luciano Amaral, a Putin ou a Hugo Chavez (cujo país, a Venezuela, também se bate para não ser reduzida ao papel de quintal das traseiras dos EUA, tal como a Chechénia o faz relativamente à Rússia) e que outra coisa será de esperar quando o próprio Reino Unido, até agora indefectível parceiro de todas as aventuras “bushianas”, começa a dar fortes sinais de afastamento!

E se ao contrário do que pretende fazer crer Luciano Amaral, a reacção da Rússia não tiver resultado apenas da instalação de sistemas antimísseis balísticos americanos na República Checa e na Polónia, mas seja fruto de um acumular de situações como as que temos vindo a assistir no Médio Oriente e do mais recente “apaziguamento” com a Coreia do Norte e a China?

Deixando de lado questões puramente simbólicas, como as avançadas no artigo referido, no caso da reacção russa vir a ser acompanhada por um progressivo afastamento das teses ocidentais sobre a questão iraniana, que virá então dizer Luciano Amaral? Invocará a protecção dos céus contra a aliança islamo-ortodoxa, ou mais prosaicamente dirá que tudo não passa do interesse comercial russo no projecto nuclear iraniano e na venda de equipamento militar para a respectiva protecção?

É que antes de avançar com arrazoadas defensas do bem contra o mal, importa avaliar muitas outras variáveis no “grande tabuleiro” e o mínimo que me ocorre dizer a propósito do discurso de Putin (que tanta gente irritou) é que se a administração norte-americana (e os seus defensores nos quatro cantos do mundo) foi criticada de forma tão dura (e justa) apenas se pode auto censurar por nos últimos tempos tantos e tão válidos argumentos ter vindo a fornecer aos seus críticos.

Seguro é que contrariamente ao que George W Bush defendeu num dos seus “discursos à União” o mundo se encontra cada vez mais longe de estar mais seguro e análises como a apresentada por Luciano Amaral poderão ser avidamente “bebidas” pelos seus partidários, mas é de todo em todo inegável que lhes falta muito para que possam chegar a constituir “alimento” para um saudável debate de ideias.


[1] Ver o “post” AINDA HAVERÁ ESPAÇO PARA O DIÁLOGO?

1 comentário:

Barão da Tróia II disse...

Impossível não achar o que criticar nos Estados Unidos. Boa semana