Depois de ler e reler múltiplas vezes a «Carta aos empresários» que César das Neves hoje publicou no DN, sinto-me particularmente satisfeito por entre um suspiro poder afirmar: Felizmente não sou empresário!
É que se o fosse teria que voltar a ler outra vez o mesmo texto para tentar entender o que o autor pretende, além de distribuir de forma mais ou menos equitativa o esforço dos indispensáveis “sacrifícios” entre famílias e empresas.
Pois além do lamento pelas «[d]écadas de tutela política sob o condicionamento corporativo, seguidas de décadas de retórica esquerdista demonizadora dos capitalistas...» e as eternas loas ao Presidente da República por este ter afirmado no seu discurso de tomada de posse que «...emergiram nos últimos anos sinais de uma cultura altamente nociva, assente na criação de laços pouco transparentes de dependência com os poderes públicos, fruto, em parte, das formas de influência e de domínio que o crescimento desmesurado do peso do Estado propicia», pouco mais consegui entender.
Não tenho a mínima dúvida que a limitação é minha, tanto mais que até do que consegui entender discordo; pois não foi o condicionamento industrial o mecanismo que permitiu a criação e consolidação da classe de industriais de que hoje derivam os Mellos, os Amorins e até os Belmiros? Não foram precisamente os filhos e os sobrinhos daqueles que se apressaram com o processo de privatizações, lançado na década de 80 por Soares e Cavaco Silva, na reconstituição dos monopólios familiares?
Mais, ao contrário da afirmação que cita de Cavaco Silva, a dependência (e a troca de “favores”) entre o Estado e as “grandes famílias empresariais” não é um fenómeno dos últimos anos, data no mínimo do século XIX e da prática da concessão a privados dos monopólios públicos[1]. É que nestas matérias – para quem queira emitir opinião abalizada, ponderada e sustentada – é indispensável recorrer a algo mais (os registos históricos) que a memória pessoal, a menos que apenas esta seja a adequada para sustentar as afirmações produzidas.
É certo que, como o afirma, a crise nacional é principalmente um problema estrutural e de natureza económica (o lado financeiro da questão decorre fundamentalmente da desadequação do modelo económico), que a «...economia precisa de liderança, iniciativa e criatividade...» e que «...os políticos deixam a desejar...», mas duvido que aos nacionais “capitães da indústria” alguma vez tenha interessado dispor de melhores políticos ou sequer ver rapidamente debelada a crise actual, pois isso tornaria impossível resultados como este: «As 20 empresas 'estrelas' da bolsa lucram mais 153%».
[1] Leia-se sobre este tema o livro recentemente publicado «OS DONOS DE PORTUGAL», pelas Edições Afrontamento.
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