sábado, 5 de março de 2011

A DÍVIDA PÚBLICA É INSUSTENTÁVEL E IMPOSSÍVEL DE LIQUIDAR


Quando no rescaldo da reunião relâmpago com Angela Merkel me foi dado ler no DN que «José Sócrates diz que Europa tem que responder a um crise que é sistémica» não pude deixar que um sorriso me aflorasse o rosto, nem de pensar que talvez Sócrates tivesse começado a ler – e a perceber - o que algumas pessoas têm escrito nos últimos anos sobre a crise global que atravessamos.

Admitindo, na minha sempre eterna ingenuidade, que talvez algum dia próximo o nosso primeiro-ministro venha visitar estes escritos ou outros análogos e que já tenha começado a entender a verdadeira origem e dimensão da catástrofe, sempre me atrevo a aqui deixar da forma mais clara possível outra ideia anteriormente abordada: a dívida pública, dentro dos parâmetros tradicionais da economia pública, é insustentável e impossível de liquidar.


O crescimento acelerado do endividamento público, fora do contexto de guerra, é um facto global a que nem as tradicionais políticas de aumento de impostos e de redução de despesas parece conseguir pôr termo, por este se basear no mesmo modelo económico de escassez de meios monetários e de rendimentos decrescentes. Tal como as famílias, os Estados sofrem o mesmo efeito da desaceleração do crescimento económico e da concentração da riqueza produzida.

Num contexto geral onde há décadas os poderes públicos tinham abdicado do poder de criação de moeda, quando permitiram que este passasse a concentrar-se no sector financeiro, a que se adicionou um caso específico como o europeu – onde os estados-membros da Zona Euro renunciaram ao poder de definição das políticas financeiras em benefício (esperava-se) duma maior integração e da criação duma moeda internacionalmente mais forte (porque expressão dum mercado de maior dimensão e com maior capacidade produtiva) – ao qual rapidamente se adicionaram governos com fraca capacidade para aplicar políticas de contenção orçamental, simplesmente perdulários ou até com comportamentos criminosos, não é de estranhar que seja crescente o número de estados onde o montante global de dívida pública se avizinha do PIB.

Se num cenário macro-económico de juros decrescentes e de crescimento do PIB aquela situação poderia melhorar com o tempo e com um conjunto de políticas de contenção da despesa, já noutro, como aquele que vivemos, onde a tendência seja para a subida das taxas de juro e para a redução ou a estagnação do PIB, a possibilidade de redução do endividamento é quase nula.

Chicanas políticas aparte[1], não creio que exista na Europa qualquer governo, da direita à esquerda, capaz de inverter esta realidade sem assumir um corte radical na abordagem do fenómeno. Quando as economias produzem níveis de riqueza pouco superiores aos de endividamento, a possibilidade de amortização desaparece e outras soluções terão que ser equacionadas, nomeadamente a via da reestruturação, seja esta realizada através dum aumento do prazo ou da redução do capital em dívida.

Aceite a reestruturação e constatada a falência do modelo de endividamento exponencial, que não levou as economias aos crescimentos prometidos e ainda menos os Estados aos equilíbrios anunciados, urge agora pensar noutra solução que em caso algum poderá ser análoga aos paradigmas que até agora têm sido utilizados. Se estes assentaram no pressuposto dos benefícios da criação privada da moeda, se esta além de não assegurar mecanismos automáticos de correcção das tensões inflacionistas ainda gerou dificuldades ao crescimento económico, porquê insistir em que a solução consistirá em repetir os erros até agora cometidos?
Porque não admitir que a solução poderá passar pelo regresso à esfera pública do poder de criação da moeda – opção que não excluindo a possibilidade dela continuar a ser criada pelo sector financeiro implicará que o seja de forma muito mais controlada – e pela transformação do crédito (indispensável na actualidade ao crescimento económico) num bem de utilidade pública?


[1] E o caso português é na actualidade bem paradigmático desta situação. Quando em plena crise sistémica e global o actual presidente da república, na sequência de eleições que não originaram uma maioria parlamentar, aceitou dar posse a um governo minoritário, contribuiu para agravar a situação geral do país, pois como muito bem agora veio referir o ex-presidente Jorge Sampaio (citado nesta notícia do PUBLICO), o «...que está em causa não é só um plano de austeridade para sanear as finanças públicas, como também não é só um plano de crescimento a médio prazo, para melhorar o desempenho da economia...» mas «...um plano para reduzir as desigualdades sociais e a pobreza», o que, acrescento eu, apenas será possível num quadro dum governo com forte apoio parlamentar e integrado num plano de desenvolvimento de várias legislaturas.

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