Lamento, mas não consigo alinhar com nenhuma das grandes linhas de análise em torno da questão da rejeição do PEC IV e da anunciada queda do governo de José Sócrates.
Como o tenho afirmado em várias ocasiões, não concordo minimamente com as linhas gerais dos famigerados PEC’s (Programa de Estabilidade e de Crescimento) nem com a forma como estes têm sido contestados pela generalidade das forças políticas, com o ridículo do PSD criticar agora o mesmo plano de cortes no rendimento das famílias (para o efeito tanto importa que os seus membros se encontrem no activo ou aposentados) que apoiou no PEC III. Questão para mais quase espúria, pois o que quer que venha a acontecer no futuro próximo em pouco ou nada depende da decisão de Sócrates (ou do próximo governo), pois a atestar pela afirmação, reproduzida no PUBLICO, de que «Países da zona euro excluem alterações ao PEC apresentado pelo Governo»[1], há muito está decidido que esta crise voltará a ser suportada pelos mesmos que já pagaram as anteriores; princípio de que aliás comungam PS, PSD e CDS.
Fruto da pura aselhice de Sócrates, ou resultado duma táctica brilhantemente desenvolvida (a opção varia conforme o observador e os objectivos que pretende atingir), e dado que, embora não apresentando qualquer alternativa, o «PSD recusa liminarmente negociar nova versão do PEC» poderemos estar a um passo de eleições antecipadas e duma mais que possível repetição do resultado das últimas legislativas, quando nenhum partido logrou obter o número de votos necessários à formação duma maioria parlamentar e o Presidente Cavaco Silva aceitou, pacificamente, empossar um governo com um apoio parlamentar mínimo e reduzidas possibilidades de enfrentar com sucesso uma conjuntura de crise global.
No passado fim-de-semana, Marcelo Rebelo de Sousa, o conhecido “opinion maker”, ex-líder do PSD e profundo conhecedor dos meandros internos dum partido onde é crescentemente visível a ânsia pelo regresso aos corredores de S. Bento, adiantou perante as câmaras da TVI, que se «...José Sócrates quer tanto aprovar o PEC tem uma solução para apresentar ao PSD: "Fazemos à irlandesa, vocês aprovam o PEC e eu viabilizo eleições"», oferecendo assim uma saída para um impasse perante o qual Cavaco Silva não deu qualquer sinal de pretender intervir, para mais tarde, perfeitamente consciente da possibilidade de novo resultado eleitoral inconclusivo, vir a produzir declarações ao ECONÓMICO que originaram a publicação da notícia que «Marcelo defende coligação entre PS, PSD e CDS».
Conhecida a reacção da UE, ou seja confrontados com a sua intransigência, e depois do próprio PSD ter publicado na internet um comunicado em inglês, veio a notícia de que o «PSD defende ‘coligação alargada’ para legitimar austeridade», parece cada vez menos relevante o que possa suceder ao actual governo e ainda menos que a sua eventual substituição possa traduzir-se em nova política de combate à crise.
É pois neste ambiente de tricas entre comadres que deve ser devidamente enquadrada a anunciada crise política e que, como em tantas outras ocasiões, as eventuais alternativas devem ser ponderadas. Escolher entre manter um governo crescentemente desacreditado e com uma liderança cada vez mais anacrónica ou a realização de eleições antecipadas em plena crise económica e financeira e protagonizadas pelos partidos (PS, PSD e CDS) que partilhando o poder nas últimas décadas conduziram o país ao seu estado actual, não constitui uma verdadeira alternativa, com a agravante desta última aumentar a despesa pública em alguns milhões de euros e colocar o país perante o ridículo de enviar um primeiro-ministro demissionário (mesmo que o seu peso e importância seja quase nulo) à importante cimeira europeia (pelo menos é assim que os líderes europeus a têm apresentado) que a partir de amanhã terá lugar e que deverá introduzir o conceito de flexibilização no recurso ao FEEF (Fundo Europeu de Estabilização Financeira).
Como muito bem lembrou Mário Soares, em «Um apelo angustiado», depois de «...o País acordar dessa campanha eleitoral, que só desacreditará os Partidos - os políticos e o País - quem terá condições efectivas para governar e nos tirar da crise? E por quanto tempo? Passos Coelho? Outra vez, Sócrates?»
Se, como parece, tudo aponta que o resultado de eventuais eleições antecipadas possa não clarificar minimamente o xadrez político, fará realmente sentido mergulhar o país num carnaval de promessas que ninguém tem condições, nem vontade, para cumprir?
Mais, como esperar essa clarificação quando, como lembra Batista-Bastos[2], a «...democracia portuguesa está reduzida a um funcionamento processual, que limitou, dramaticamente, os horizontes das nossas escolhas, dos nossos valores e dos nossos sonhos»? Será que, por algum estranho passe de mágica, a simples presença duma cara nova relançará um efectivo debate sobre a situação, a origem dos problemas e as respectivas hipóteses de solução?
Se, como tudo o indica (e o episódio da revelação do PEC IV é apenas mais um sinal), as grande decisões já deixaram de ser arquitectadas em Lisboa, fará sentido alimentar esperanças vãs de que serão os eleitos nacionais a decidir sobre as futuras políticas de combate à crise? e sobre o alcance das medidas de austeridade?
Por último, merecerão os políticos nacionais – começando pelo acrobático Sócrates, passando pelo ilusionista Passos Coelho e concluindo no inepto Cavaco Silva que a três meses da sua reeleição encontrou espaço e tempo para patrocinar um acordo PS/PSD sobre o PEC III mas, agora, três meses volvidos sobre aquela «diz que ficou sem margem de manobra para actuar» - que se lhes continue a prestar uma atenção que a sua crescente insignificância europeia já não justifica?
[1] Embora mais tarde tenha chegado a informação, veiculada pelo ECONÓMICO, de que a «Comissão diz que PEC do Governo “não está fechado”».
[2] A citação é um excerto do mais recente artigo de Batista-Bastos no DN, com o título «Contra a irracionalidade».
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