sábado, 8 de janeiro de 2011

VISLUMBRES


Tantas vezes aqui tenho clamado contra o silêncio a que a imprensa tem votado aqueles que não opinam segundo os superiores cânones estabelecidos que, quando ocorre o inverso é da mais elementar justiça que lhe seja feita referência.

Estou a referir-me concretamente a duas entrevistas publicadas pelo DN e pelo I a Boaventura de Sousa Santos e a João Ferreira do Amaral[1], nas quais é perceptível uma rara oposição à corrente de pensamento dominante.

Embora originários de áreas de conhecimento diferentes – Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e um reputado investigador do fenómeno da globalização, enquanto João Ferreira do Amaral é economista e foi assessor para os assuntos económicos durante as presidências de Mário Soares e Jorge Sampaio – revelam uma profunda preocupação pela tentativa de compreensão dos fenómenos económicos e sociais numa perspectiva integrada.

Embora das suas declarações não resultem propostas concretas de alternativa ao modelo que tem sido utilizado, ressalta de ambas uma clara ideia da sua existência (pelo menos no plano conceptual); Boaventura Sousa Santos é talvez o mais claro dos dois quando afirma que «enquanto não forem regulados os mercados financeiros quaisquer planos de austeridade vão ser seguidos por novos planos de austeridade, porque os mercados estão numa fase absolutamente insaciável. Em segundo lugar, ainda estamos numa fase do susto», pois João Ferreira do Amaral prefere colocar a tónica na necessidade de “reinvenção” da moeda única, ou não tivesse sido um dos maiores opositores à adesão portuguesa ao Euro.

Embora continuem a primar pela ausência vozes que pugnem pelas mudanças que se impõem – o regresso à esfera pública do poder de criação de moeda, acompanhada duma drástica redução dessa capacidade pelo sector financeiro e a inversão do absurdo modelo de financiamento público por aquele sector, e a consagração do conceito do crédito como utilidade pública e não como via para a concentração da riqueza – ou por soluções alternativas – como acontece neste “post” do blog «The Left Banker» onde o seu autor, atribuindo a principal responsabilidade para a situação à adesão ao Euro e aos políticos que a defenderam, aponta soluções como: a saída da moeda única, a nacionalização da banca e a conversão do crédito em utilidade pública, a dinamização de actividades tradicionais como a agricultura e as pescas, o aumento do salário mínimo e um combate eficaz à corrupção política e empresarial responsável pelo desperdício anual de milhares de milhões de Euros.

Mesmo não subscrevendo na íntegra as propostas, parecem-me dignas de referência por representarem contributos para uma discussão, que, sendo para já débil e quase em surdina, pode e deve crescer, para que o fortalecimento desta corrente não surja quando já for demasiado tarde...


...e já tenhamos sido varridos pela maré do lixo das ideias que diariamente nos servem.


[1] A entrevista a Boaventura de Sousa Santos pode ser lida aqui e a João Ferreira do Amaral aqui.

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