Entrados na recta final de mais um pleito eleitoral, quando o país vive um momento particularmente difícil e os governantes do PS, com a benção e o beneplácito do PSD e do CDS, tentam convencer-nos que os sacrifícios a que nos obrigam são para nosso exclusivo bem (nunca para o deles, ou para o que eles representam...), perfila-se aos eleitores um problema de solução delicada: a escolha entre um inepto sério (para conjugar as classificações que, respectivamente, Baptista Bastos e Vasco Graça Moura atribuíram a Cavaco Silva, nas suas crónicas «Da inépcia como virtude» e «A candidatura séria») ou um inepto culto ou voluntarioso (caso me permitam a aleivosia da colagem à análise de Baptista Bastos), como cada vez mais se revelam Manuel Alegre e Fernando Nobre.
É que se Cavaco continua imutável (característica que Vasco Graça Moura tanto lhe louva) é na forma canhestra como repete (ou manda repetir em seu redor) as auto proclamadas virtudes da sua sabedoria em matérias económicas enquanto aconselha que se consulte um especialista para saber como se devia ter gerido a nacionalização do BPN, ou lança um véu de diáfano silêncio sobre os ex-gestores daquele banco (especialistas da sua área partidária) que, imbuídos do mais sadio dos espíritos empreendedores, malbarataram o dinheiro dos seus clientes, quando não o envolveram nas mais despudoradas fraudes.
Mas a desonestidade intelectual de Cavaco Silva (e por acréscimo da maioria dos seus apoiantes) não se limita a este tipo de questões, pois em muitas outras matérias facilmente se detecta o perfil que ele inúmeras vezes repudia: o do político manipulador, sempre pronto a desdizer o que antes dissera e, mesmo, a sacrificar aqueles sobre cujos ombros se faz transportar. Exemplo disso mesmo foram as suas considerações sobre um dos seus fieis apoiantes – o presidente do conselho de administração da CGD, Faria de Oliveira –, que em benefício próprio descartou com a mesma ligeireza e leviandade que antes usara com Fernando Nogueira (entre outros), mas que sob a alegação da legislação em vigor nunca usou com Dias Loureiro, outro dos indiciados responsáveis pelas fraudes no BPN.
É por isto que a seriedade é uma das virtudes mais difíceis de colar a Cavaco Silva e se este alguma vez tivesse revelado um mínimo de curiosidade sobre os fenómenos políticos talvez tivesse encontrado em alguma obra consultada a velha máxima de que «há mulher de César não basta ser séria, tem que o parecer» e embora aparentemente deslocado do contexto eleitoral o caso BPN acabou por se transformar em algo de relevante para o candidato que se diz da seriedade, mas que persiste num discurso de omissões e meias verdades.
Tal como o fez há cinco anos, Cavaco procura atravessar mais uma campanha eleitoral onde sobressaindo os “fait-divers” espera alcançar a reeleição sem que dele se ouça a menor referência às suas ideias; perante tal vacuidade e nunca perdendo de vista o que foi a sua passagem duma década pela chefia do governo, período durante o qual abundaram os fundos europeus e se reeditou a clamorosa política de obras públicas característica do “fontismo”[i], custa a entender como é que Vasco Graça Moura vislumbra que «...se Portugal ainda não teve um lindo enterro, isso se deve à magistratura de influência e à intervenção moderadora de Cavaco Silva».
Ao esforçado golpe de asa com que Vasco Graça Moura tenta transformar o que apelida de campanha para denegrir o presidente candidato, falha de «...uma crítica detalhada, fundamentada e consistente à maneira como ele exerceu a sua magistratura...», contraponho três episódios perfeitamente elucidativos da estatura política de Cavaco Silva: a promulgação de diplomas aos quais coloca públicas reservas; quando, profundo conhecedor da dramática situação financeira do país e da conjuntura económica mundial (a crer no seu auto-elogio), aceitou empossar um governo minoritário visivelmente frágil para a tarefa e, por último, as intervenções da campanha onde tem procurado distanciar-se das responsabilidades perante a actual crise quando foi, nos bastidores, um dos impulsionadores do acordo PS-PSD para a aprovação do OGE que avidamente promulgou e que culmina agora com a notícia (do PUBLICO) de que «Cavaco também quer trabalhadores do privado a pagar a crise».
Bem podem os apoiantes de Cavaco colar o seu principal rival, Manuel Alegre, às políticas do governo de José Sócrates, tentando fazer esquecer que estas foram por ele validadas, que num ponto Baptista Bastos tem razão, e também eu «gostava de que o Presidente fosse um homem culto, lido, cordial e descontraído».
O problema é que o mais culto dos «outsiders», talvez enredado nas contradições dos apoios do PS e do Bloco de Esquerda, tem-se revelado particularmente frágil na réplica e o outro, tudo o indica até ao momento, é tão só voluntarioso.
Mesmo assim, parece que há quem receie pela vitória anunciada de Cavaco Silva, e, como o fez Vasco Pulido Valente na sua última crónica no PUBLICO chegue a apontar um eventual crescimento da abstenção como justificação para uma indesejada segunda volta e reforço o termo indesejada pois esse deve ser o sentimento do autor, porque contrariamente ao que sugere a abstenção(ou o voto em branco) não têm o efeito que pretende, pois quantos menos votos válidos existirem menor será o número necessário para eleger Cavaco Silva.
[i] Termo usado para designar o período da Monarquia Constitucional, entre 1868 e 1889, onde pontificou a figura de Fontes Pereira de Melo, que se traduziu numa diminuição da instabilidade política que caracterizou o período da Regeneração e que se caracterizou por acções de fomento de obras públicas e de modernização das infraestruturas do país (construção de pontes, estradas e o início da construção da rede ferroviária portuguesa), mas que tendo sido grandemente financiado com recurso a empréstimos externos (principalmente junto de bancos ingleses) redundou num colapso financeiro que rapidamente fez regressar a instabilidade política.
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