A aproximação de mais um acto eleitoral torna obrigatório o regresso à colação não apenas do significado do acto, do valor dos concorrentes (tanto mais que no caso vertente se trata duma eleição individual e personalizada) mas principalmente do valor do voto.
Em sobejas ocasiões aqui tenho deixado claras as múltiplas razões pelas quais em caso algum votaria em Cavaco Silva, personalidade a quem de modo algum reconheço um mínimo de condições políticas, técnicas, culturais ou éticas para o exercício das funções a que se recandidata. Se dúvidas tivesse tido há cinco anos, bastaria ter acompanhado a forma como entendeu desempenhar o cargo, a forma arrevesada e quase inextricável como se fez ouvir (sempre gostaria de saber quem é que lhe escreve os discursos), a permanente postura do “não me comprometam” ou a constante reafirmação do “não fui correctamente interpretado”, para lhe recusar uma segunda oportunidade.
Porém o que hoje me leva a voltar à questão das presidenciais é o claro sentimento que germina no ar uma clara estratégia de apelo aos mais descontentes para que se abstenham ou votem em branco.
Entre um claríssimo «Não vou votar» que Carlos Abreu Amorim deixou na sua última crónica no DN ou as melífluas tiradas com que Vasco Pulido Valente nos tem mimoseado em várias das sua mais recente crónicas no PUBLICO, parece ganhar terreno a ideia de que a abstenção ou o voto em branco constituem formas válidas de voto.
Ora mesmo no estrito sentido técnico do termo voto válido se constata que o voto em branco ou o nulo estão excluídos. Se assim não fosse os resultados das eleições de 22 de Janeiro de 2006 não teriam sido as que constam no sítio da Comissão Nacional de Eleições:
| Total | Percent. |
CAVACO SILVA | 2,773,431 | 50.54% |
MANUEL ALEGRE | 1,138,297 | 20.74% |
MARIO SOARES | 785,355 | 14.31% |
JERONIMO SOUSA | 474,083 | 8.64% |
FRANCISCO LOUCA | 292,198 | 5.32% |
GARCIA PEREIRA | 23,983 | 0.44% |
mas outras.
Senão vejamos: a CNE considera (e bem) como eleitores votantes, para efeitos de calculo da abstenção, todos os leitores que tenham exercido o seu direito de voto:
| Total | Percent. |
Inscritos | 9,085,339 | |
Votantes | 5,590,132 | 61,53% |
Abstenções | 3,495,207 | 38,47% |
Brancos | 59,636 | 1,07% |
Nulos | 43,149 | 0,77% |
mas efectua o apuramento de resultados tomando como universo apenas os votos designados como válidos (excluindo brancos e nulos). Esta interpretação até poderá ser defensável relativamente aos votos nulos, pois estes poderão constituir mais que um erro ou uma forma de expressão de vontade, uma forma de fraudar os resultados finais) mas que de forma alguma se aplica ao voto em branco, que deveria ser aceite como forma válida de expressar o desagrado pelo conjunto dos candidatos em liça.
Para melhor entendermos o que realmente está em jogo, vejamos o efeito de apuramento de resultados na eleição presidencial de 2006, conforme o universo de votos aceite:
| Total | Percent/ Válidos | Percent/ Votantes | Percent/ Válidos + Brancos |
CAVACO SILVA | 2,773,431 | 50.54% | 49.61% | 50.00% |
MANUEL ALEGRE | 1,138,297 | 20.74% | 20.36% | 20.52% |
MARIO SOARES | 785,355 | 14.31% | 14.05% | 14.16% |
JERONIMO SOUSA | 474,083 | 8.64% | 8.48% | 8.55% |
FRANCISCO LOUCA | 292,198 | 5.32% | 5.23% | 5.27% |
GARCIA PEREIRA | 23,983 | 0.44% | 0.43% | 0.43% |
e constata-se que embora as diferenças não fossem abissais, bastaria naquela eleição ter incluído os votos em branco para que tivesse havido lugar a uma segunda volta.
Perante este exemplo prático e bem real e enquanto não for alterado o sistema de classificação dos votos que, repito, trata de forma indevida e abusiva em plano de igualdade os votos em branco e os nulos, parece-me manifestamente manipuladora a estratégia do apelo ao voto em branco, pois na prática apenas se estarão a aumentar as possibilidades de eleição do candidato mais sufragado.
Assim, apelos àquele tipo de voto de protesto ou até à abstenção apenas favorecerão o candidato que se apresente como favorito na corrida, facto que afinal até poderá adequar-se ao real desejo dos autores de semelhante tipo de apelos, mas dificilmente corresponderá aos reais sentimentos dos eleitores que mesmo considerando que a eleição é quase espúria (seja pelo vazio da função, seja pela vacuidade dos candidatos) deverão sempre marcar presença no acto e manifestar a sua opção de escolha por um dos candidatos... que não Cavaco Silva!
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