Enquanto no passado Domingo dezenas de milhares de cidadãos belgas desfilaram pelas ruas de Bruxelas manifestando o seu desagrado pela demora na formação dum governo (as eleições legislativas tiveram lugar em meados de 2010 e ainda não foi logrado qualquer acordo entre os partidos para a apresentação do novo governo), em Portugal mais de cinco milhões de eleitores não se deram ao incómodo de se deslocarem à sua assembleia de voto para escolherem o seu presidente...
Que outro comentário interessará fazer sobre os resultados eleitorais, se até o vencedor (Cavaco Silva) foi reeleito com um menor número de votos que os que alcançou em 2006?
Mesmo sem querer questionar a legitimidade do acto eleitoral e do respectivo resultado, mais que nunca urge lançar uma verdadeira discussão sobre um conceito aparentemente tão desprezado como o da cidadania.
Numa época em que se transformou em moda política o lançamento de questões “transversais” e “fracturantes”, em que os governantes, à míngua de ideias próprias, se lançam em campanhas legislativas de duvidosa utilidade política (mas de seguro impacto publicitário), porque serão raros os que questionam esta realidade?
Aparte as conhecidas vantagens para a classe política (em última instância bastará que cada um vote em si próprio para se fazer eleger), que mais a levará a aceitar de forma tão pacífica esta clara manifestação de desinteresse público? salvo se tudo não passar de uma estratégia concertada para afastar cada vez mais os “cidadãos responsáveis” dos problemas que lhes dizem respeito, apelando em sua substituição aos “cidadãos espectadores”, passivos e submissos quanto baste.
E o mais triste é que esta ideia (entre outras) sobressai particularmente do tristíssimo discurso com que o presidente reeleito saudou os seus apoiantes e o país que diz querer representar.
Isento da mais elementar humildade democrática, brindou-nos com um discurso mesquinho e vingativo (rancoroso, na expressão usada por Mário Soares num artigo publicado no DN) que se outras consequências não tiver, assegurou que contrariando as intenções propaladas se prepara mais para dividir que para unir os cidadãos do país que o elegeu.
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