O incidente – anúncio da continuação do programa de expansão dos colonatos judaicos[1] em território palestiniano durante uma visita de Joe Biden, o vice-presidente americano – pouco mais pode ser que um “fait divers” destinado talvez a esconder a ineficácia da “mediação” norte-americana que insiste na realização de novas conversações entre israelitas e palestinianos, sem que existam quaisquer razões de fundo (mudança de posição das partes) que as justifiquem.
Habituados que estamos ao tradicional diálogo de surdos (pontualmente interrompido pela intervenção de um notável de uma ou outra parte que introduza alguma réstia de esperança prontamente adiada), à divisão semeada entre os palestinianos e à estratégia israelita de avanços e recuos, tudo isto sob o olhar atento e benevolente do “amigo americano” de Israel, notícias daquele jaez merecem uma análise mais profunda que a proporcionada pelas parangonas noticiosas.
Não só pelo folclore político que originou – desculpas apresentadas pelo chefe do gabinete israelita e outros políticos, ameaça de abandono da coligação governamental pelo Avoda (Partido Trabalhista), chamada à Casa Branca do embaixador israelita em Washington – mas principalmente pelo espaço de manobra de abriu à diplomacia brasileira.
Pois é, embora pouco noticiado entre nós, à visita do vice Joe Biden sucedeu a de Lula da Silva e este apresentando-se numa posição menos pró-judaica poderá abrir algumas portas entre o sector palestiniano menos radical, até porque são bem conhecidas no mundo árabe as “afinidades” económicas com o regime iraniano, que ainda assim não impedem que o Brasil seja o principal parceiro económico de Israel na América Latina.
Este complicado jogo de equilíbrios e de interesses não deve servir para ofuscar a crescente importância do Brasil na cena internacional[2] e ainda menos esconder a mais que provável existência de uma estratégia concertada com Washington, que no essencial deverá permitir transmitir a ideia de algum arrefecimento nas relações EUA- Israel, mas que na realidade de não passarão de mais uma encenação para atrair os líderes palestinianos para a mesa das negociações, em busca de um acordo que continue a permitir a expansão e a hegemonia judaica na região.
Enquanto o “amigo americano” finge ralhar com o seu malcomportado fiel amigo, a Europa há muito deixou de constituir um elemento de peso na região[3] e no diferendo é a nova coqueluche da geopolítica mundial (o emergente Brasil) que se apresenta como possível elo de ligação entre judeus e palestinianos, pugnando pelo reatamento das famigeradas negociações (tão caras a americanos e judeus) conducentes à criação do estado palestiniano.
Sucede porém, que continuam por resolver as questões fundamentais da divergência entre judeus e palestinianos, dois povos, talvez demasiado agarrados ao passado, que disputam a mesma terra e não conseguem resolver a forma de a dividir ou de a partilhar. Com o beneplácito de americanos e europeus (e sob a recorrente chantagem do Holocausto) o povo judeu nega aos vizinhos palestinianos todo o palmo de terra que puder – prática sempre presente, seja na política de expansão dos colonatos (de mais a mais ilegais ao abriga das leis internacionais que proíbem a ocupação definitiva de territórios militarmente ocupados), seja na manutenção das populações palestinianas num verdadeiro regime de “apartheid” –, afirma aceitar a criação dum estado palestiniano mas não enjeita a mínima oportunidade de o tornar economicamente inviável; em contrapartida os palestinianos que não parecerem dispostos a aceitar as condições israelitas (incluindo abdicar do direito de regresso dos milhares de refugiados e da instalação da sua capital na metade oriental de Jerusalém), não revelam capacidade para concertarem as suas diferentes tendências político-religiosas e ainda menos apoios internacionais para fazerem inflectir as posições israelitas.
Assim, a solução – dois povos, dois estados – continua a ser impingida ao Mundo como viável e benéfica para a paz mundial. Porém, quem aprofunde um pouco a realidade na região rapidamente concluirá que esta solução apenas assegurará a manutenção do Estado de Israel e originará mais um estado árabe de reduzida ou nula viabilidade e perpetuamente dependente do auxílio financeiro internacional, tais são as limitações que Israel quer impor sobre o futuro vizinho.
A esta hipótese, além de controversa e de improvável exequibilidade, que esbarra na dificuldade medonha que constitui a divisão da terra e que os palestinianos insistem em associar à questão do regresso dos desalojados durante os conflitos militares anteriores e que se espalham aos milhares pelos territórios vizinhos e pelo resto do Mundo, continua por contrapor a da inclusão dos dois povos num único estado que respeite as diferenças culturais e religiosas mas assegure um futuro e uma existência pacífica para todos.
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[1] Refira-se que ao invés do que sugerem as notícias correntes o que está em causa não são apenas as 1600 novas habitações judaicas no colonato de Rabat Shlomo (Jerusalém Oriental), mas também as 850 a implantar em Gilo, as 600 em Pisgat Zeev, a expulsão de palestinianos em Sheik Jarrah ou a demolição de mais de oito dezenas de habitações palestinianas em Silwan; a estes deados importa ainda acrescentar que a generalidade dos colonatos a expandir será ocupada pelos grupos judaicos mais radicais (ligados ou não ao partido ultra radical, Shas), responsáveis (a par com os seus homólogos islâmicos) pela manutenção de um clima de crispação e de tensão entre os dois povos.
[2] Da mesma forma deve ser entendida a decisão do ministro israelita dos Negócios Estrangeiros, Avigdor Lieberman (líder do partido nacionalista Yisrael Beitenu), que conforme notícia da BBC NEWS decidiu boicotar a presença de Lula da Silva no país; esta decisão que privilegia questões de natureza interna (como muitas vezes é comum nos governos de coligações muito alargadas) não reduz o seu significado político, nem altera a crescente importância do Brasil na cana internacional.
[3] Mesmo considerando que, como noticiou a BBC, Catherine Ashton (representante da UE para os assuntos externos) condenou o anunciado projecto de expansão, a relevância da UE no Médio Oriente há muito que se encontra reduzida a pouco mais que zero (veja-se o papel de Tony Blair no famigerado Quarteto para a Paz), mesmo mantendo o papel de principal contribuinte para a ajuda internacional aos palestinianos.
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