sábado, 30 de maio de 2009

THINGS CHANGE...

Apesar de uma outra notícia animadora as perspectivas de evolução para a economia mundial continuam a revelar-se mais pessimistas que optimistas.

Mesmo quando os políticos tentam desdobrar-se em discursos animadores (ou principalmente quando estes o fazem) as reacções pessoais são cada vez menos positivas. Ao sentimento generalizado de insegurança que grassa no mundo do trabalho junta-se a óbvia agitação que se detecta nos investidores a que as atabalhoadas respostas dos políticos mais não fazem que confirmar o pessimismo geral, enquanto a imprensa nos bombardeia diariamente com títulos como este que informa que a «Economia europeia regista quebra recorde de 4,6%».

Quase dois meses volvidos sobre a cimeira londrina do G20 – aquela que nos devia apontar o caminho da recuperação – tudo continua como antes: as empresas vêm as encomendas em quebra, cessam a actividade e lançam um número cada vez maior de trabalhadores no desemprego, as famílias sentindo o seu rendimento diminuído (ou receando vir a senti-lo a breve prazo) reduzem o consumo e mais empresas sentem maiores dificuldades.

Este circuito aparentemente simples, mas que constitui o elemento essencial do funcionamento das economias, vai crescendo de intensidade ajudado em muito pelas empresas (e os gestores) que desejosas de manterem os elevados níveis de lucros (e os elevados níveis de prémios de resultados) não sentiram o mínimo rebuço em proceder a imediatos cortes de pessoal aos primeiros sinais de possível redução dos lucros. Este efeito de contágio, qual vírus de velocíssima propagação, continua a rondar todos os sectores da actividade económica, devendo já estar a iniciar a segunda volta.

Quando em meados deste mês o “think tank” europeu LEAP publicou no seu relatório mensal[1] que estaremos a assistir à extinção dos referenciais que orientaram as economias desde 1945 e apesar da sua inegável valia informativa, optei por esperar mais algum tempo antes de trazer aqui algumas das suas apreciações, das quais destaco o fracasso da opção de salvamento do sistema financeiro e uma possível falsa sensação de normalidade que esta opção (e a propaganda que a tem rodeado) possa ter junto de parte da população. Este fenómeno é também reflectido no recente artigo de Perez Metelo, «Curtas e claras», no qual o autor escreve a dado passo: «As boas notícias: em Maio, nos EUA, o índice de confiança dos consumidores deu o maior salto dos últimos 32 anos. Esperavam-se 2 pontos de avanço face a Abril, subiu 14! «...» Mas este é, tão-só, um índice subjectivo. Na medição real, as economias avançadas continuam a recuar, ainda que a um ritmo muito mais lento do que nos seis meses anteriores. O preço das casas nos EUA continua a cair. «...» Entretanto, na Alemanha, um índice de confiança dos investidores voltou a cair, depois de ter estabilizado em medição anterior. Os dados são, pois, contraditórios».

Se optei deliberadamente por um compasso de espera para o alerta, foi para que este não seja entendido como mais um falso alarme ou um simples exagero.

Infelizmente os sinais de retracção das principais economias são por demais evidentes para que até os mais optimistas se recusem a vê-los, e pior, o passar do tempo não tem favorecido os que continuam a querer fazer-nos crer que as medidas de redução das taxas de juros e de injecção de dinheiros públicos nos bancos estão a resultar. E, a atestar por notícias que há quinze dias davam conta da intenção do governo de José Sócrates comprar a COSEC, que é nem mais nem menos que a principal seguradora de crédito nacional, a situação de total desconfiança entre os agentes económicos (importadores e exportadores) deverá já ser bem pior do que o que se quer fazer crer.

Reiterando o que já afirmei noutras ocasiões, a crise que atravessamos não é uma mera crise de falta de liquidez bancária (se o fosse os biliões de dólares injectados já deveriam ter produzido algum efeito prático) e dificilmente poremos um efectivo travão ao seu desenvolvimento se não interiorizarmos que a realidade em que iremos viver terá que ser diferente daquela em que temos vivido.

Se realmente estivéssemos a atravessar as ondas de choque de uma normal crise de liquidez, como se explica a azáfama com que os políticos anunciam mais e mais medidas avulsas (por vezes até contraditórias) e que sentido fará a recente afirmação do governador do Banco de Portugal que garante que a crise vai continuar[2]?

Quando Vítor Constâncio afirmou numa Audição na Comissão de Orçamento e Finanças na Assembleia da República que «[e]stamos numa fase da crise que se caracteriza pela passagem da crise financeira para a crise económica e de esta vir de novo a levar a problemas no sector bancário em todo o mundo», mais não fez que confirmar o esperado fracasso do plano anglo-americano de estímulo económico, que o fim da crise ainda estará longe e, pior, as réplicas do primeiro choque só agora estarão a chegar. ~

Um discurso deste jaez, apresentado por uma figura que é reconhecida pela sobriedade e pela contenção das suas declarações, foi a faísca que me levou a retomar, no meio de matérias tão sérias como a crise para que foi arrastado o Conselho de Estado nacional pela actuação inqualificável e pela miopia política de um dos seus membros, ou o desenrolar de umas eleições para o Parlamento Europeu cujos principais candidatos nacionais persistem em discutir e esgrimir mimos sobre a parola política doméstica enquanto iludem as questões europeias que provavelmente desconhecem em absoluto, a difícil situação económica mundial e o aviso deixado pelo LEAP de que a actual crise já conduziu à obsolescência dos referenciais tradicionais.

Dando como exemplo o facto de:

  • a taxa de referência do Banco de Inglaterra ter registado este ano o valor mais baixo do seu historial de mais de três séculos (desde a fundação em 1694 nunca a taxa atingiu o valor de 0,5%);
  • 2008 ter sido o primeiro ano, na história de quase dois séculos da Caisse des Dépôts et Consignations, em que este banco público francês registou prejuízos;
  • a China ter assumido em Abril último o papel de primeiro parceiro comercial do Brasil, situação que historicamente antecipa as grandes mudanças no cenário comercial planetário[3];

os analistas daquele “think tank” concluem que ultrapassados aqueles referenciais os mercados deverão conhecer novo período de instabilidade até à definição de valores substitutivos e este fenómeno pode bem representar muito mais que uma mera acha na fogueira em que todos ardemos, tanto mais que são conhecidos dois outros importantes factores:

  • a crescente vontade da China se libertar das limitações e dos riscos que comporta a manutenção do dólar americano como moeda internacional de pagamentos e de entesouramento (intenção em que é acompanhada pela Índia, pela Rússia e pelo Brasil e que terá constituído matéria de aceso debate na última reunião do G20);
  • a cada vez mais periclitante situação de fragilidade da moeda norte-americana e do que isso influencia a capacidade da administração Obama para remunerar a sua imensa dívida externa.

Parecendo evidente que poucos analistas conscientes acreditem num risonho amanhã, fica ainda espaço para uma vasta – e indispensável – discussão em torno da dimensão e da longevidade da crise que atravessamos, sendo certo que as opções que tomarmos (ou que deixarmos alguém tomar por nós) serão fundamentais para melhor e mais rapidamente atingirmos o novo patamar de funcionamento, que, conforme aqui escrevi em Março deste ano, a julgar pela opção de perpetuação do actual sistema financeiro não nos poderá conduzir senão… à próxima crise.
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[1] O relatório de 15 de Maio pode ser lido aqui, na página do Laboratoire Européen d’Antecipation Politique.
[2] Sobre o assunto ver esta notícia do DN.
[3] Segundo os próprios termos daquele relatório, «…desde que há duzentos anos, quando a Inglaterra pôs termo a três séculos de hegemonia portuguesa, esta é a segunda vez que um país acede àquela posição, depois dos EUA terem suplantado a Inglaterra no início dos anos 30 como primeiro parceiro comercial do Brasil».

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