sábado, 23 de maio de 2009

HUMPTY DUMPTY

O avolumar das notícias sobre os abusos praticados pelos deputados da câmara baixa britânica, com a complacência do “speaker[1], o trabalhista Michael Martin, conheceram até à data uma vítima, o próprio “speaker”, mas proporcionaram este excelente desenho onde o caricaturista Riber Hansson o retrata como se da popular figura do Humpty Dumpty[2] se tratasse.

Mesmo sem pretender debater a iniquidade dos deputados ingleses apresentarem despesas que extravasam manifestamente os parâmetros definidos para a respectiva comparticipação, parece-me de ressaltar aqui, além da óbvia conivência de quem estava encarregue do seu sancionamento, que ao que afirmam os jornais ingleses aquela prática já vem de longe e vários membros do governo, entre os quais Tony Blair, o anterior primeiro-ministro e Gordon Brown, o actual titular do cargo, não perderam o ensejo de aproveitarem aquele verdadeiro maná[3].


Não vejo qualquer razão plausível para justificar este verdadeiro escândalo e só o aqui refiro por mera analogia com o que acontecerá em Portugal, país onde a imprensa nunca pareceu demonstrar particular curiosidade por matérias análogas. E não digo isto no sentido da mesquinha inquirição de um ou outro pequeno pecadilho, porque não tenho a menor dúvida que também entre nós aquele tipo de actuação será prática comum.


Talvez a única verdadeira diferença é que na Grã-Bretanha a opinião pública não perdeu tempo a criticar de forma aberta e veemente quem tem vindo a abusar da boa-fé e paciência do John Bull (o Zé Povinho inglês), prometendo mesmo alguma forma de penalização eleitoral.


A par com a notícia da demissão de Michael Martin, outras têm surgido que referem a intenção e a necessidade de introdução de alterações na legislação de forma a minimizar a repetição daqueles actos.


Embora tal não passe ainda além do campo das intenções, talvez a mesma se venha a verificar e então será caso para voltar a falar nas diferenças entre a nossa e as outras democracias, é que a avaliar apela recente aprovação da nova lei do financiamento dos partidos[4], ao abrigo da qual vai ser aumentado o financiamento em dinheiro vivo (meio excelente para facilitar ainda mais a proliferação de todo o tipo de “negociatas”, “compadrios” e “corrupções”) passando actuais 22.500 euros para mais de 1,2 milhões[5], qualquer tentativa para reforço das medidas de verificação e legitimação das despesas dos deputados esbarrará seguramente na oposição dos próprios deputados, que sem qualquer pudor ou a mínima noção de limitação deontológica, votarão contra as alterações ou até a favor da sua ampliação.
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[1] Designação na terminologia anglo-saxónica, que designa o presidente da Câmara baixa.
[2] Humpty Dumpty é uma popular figura da cultura inglesa, em especial dos mais jovens que cedo aprende a repetir até à exaustão a lengalenga: Humpty Dumpty sat on a wall, / Humpty Dumpty had a great fall. / All the king's horses, / And all the king's men, / Couldn't put Humpty together again (Humpty Dumpty sentou-se num muro, / Humpty Dumpty deu um grande trambolhão. / Todos os cavalos do rei, / E todos os homens do rei, / Não conseguiram reparar o Humpty). Tradicionalmente retratado como um ovo existem múltiplas explicações para a origem da lengalenga, entre as quais se conta uma que a atribui a uma adivinha, enquanto outros a fazem remontar ao período da guerra civil inglesa ou á figura do rei Ricardo III, mas um das razões para a sua popularidade pode também ter sido a sua inclusão entre os personagens do livro de Lewis Carrol, «Alice no País das Maravilhas».
[3] Os casos serão tantos ou tão poucos que na edição do passado dia 14 de Maio a revista VISÃO dava especial destaque aos casos dos trabalhistas Tony Blair (ex-primeiro-ministro, que solicitou a devolução de milhares de euros de juros referentes à hipoteca de uma segunda residência), Gordon Brown (primeiro-ministro em exercício, que declarou a casa principal como segunda residência para pedir reembolsos de reparações) , Jack Straw (ministro da Justiça, que pediu o reembolso da totalidade de um imposto municipal que só pagou a 50%) e David Miliband (ministro dos Negócios Estrangeiros, que pediu o reembolso de despesas de jardinagem na sua segunda residência), enquanto do lado dos conservadores referia os de: David Cameron (líder do partido, que apesar da fortuna pessoal beneficiou até ao último cêntimo do que podia gastar em ajudas públicas), Alan Duncan (“speaker” sombra da Câmara dos Comuns, que terá apresentado indevidamente mais de 3.500€em despesas de jardinagem), Douglas Hogg (ex-ministro da Agricultura, que pediu dinheiro para despesas de jardinagem e para a afinação do piano) e Cherryl Gillan (deputada, que pediu o reembolso de 87 cêntimos gastos em duas latas de comida para os seus cães).
[4] Ver a propósito esta notícia da TSF.
[5] Como refere esta notícia da TSF.

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