domingo, 10 de maio de 2009

PRECISARÁ A DEMOCRACIA OCIDENTAL DE SER REINVENTADA?

Esta é uma pergunta que de forma directa ou sub-reptícia encontramos de quando em vez em muitos artigos de opinião.

A sua actualidade será tanto maior quanto até um ou outro político de quando em vez a coloca, facto que encaro sempre com enormes reticências, pois por princípio aqueles poderão ser os menos beneficiados pelo debate.

Ainda que possa ser injusto incluir todos os políticos numa mesma classificação (cada vez menos abonatória), o facto é que os exemplos que diariamente surgem favorecem este tipo de generalização.

Quando parecem cada vez mais distantes os tempos em que víamos surgirem líderes com um mínimo de carisma e de convicções (mesmo que passíveis de crítica ou de frontal desacordo) e os que hoje disputam o poder se resumem a figuras de segundo ou terceiro plano e, pior, desprovidas da mais básica das qualidades – a honestidade intelectual e a disposição de oferecerem o seu melhor em benefício do colectivo – e exclusivamente preocupados com as vantagens que a eleição lhes possa render, é natural que os cidadãos se mostrem cada vez menos receptivos a legitimarem esta situação com a sua participação em processos eleitorais.

Na ausência de verdadeiros líderes, os “aprendizes de feiticeiro” sobrevivem alienando tudo e todos em seu redor e felizes por poucos os confrontarem com a sua real dimensão política e humana. Tranquilizando os apaniguados com algumas migalhas criteriosamente distribuídas, silenciando outros com maiores benesses ou prebendas, vão mantendo a aparência de dignidade daquilo que chamam poder.

Este fenómeno de corrosão da vida política está longe de ser um exclusivo nacional; para o comprovar basta um rápido recordar das patéticas figuras (melhor seria chamar-lhes figurões) que conduziram o mundo a situações de conflito perfeitamente escusadas e que introduziram na cena internacional um crescendo de tensão. Os Bushs e os Blairs, acolitados por uns quantos Aznares ou Barrosos, representam, infelizmente, o que de pior surgiu nos horizontes políticos ocidentais nestas últimas décadas e de pouco nos pode alegrar a existência de Mugabes ou de Zardaris noutras latitudes...

Mesmo os que substituíram aqueles encontram-se muito longe de os fazerem esquecer e a prova foi o resultado da recente reunião do G20 que deixou bem clara a incapacidade dos Obamas, dos Browns ou dos Sarkozys em produzirem mais que um monte de promessas e uma mão-cheia de nada.

No geral bem podemos dizer que quanto a maus políticos temos tido uma enorme colheita e mesmo os que acreditam que tantos frutos estragados não podem ser um mero acaso (haverá na sombra quem manobre para esse efeito), não poderão negar que parte da responsabilidade pelo seu aparecimento cabe a todos, os que votaram neles ou noutros e os que não votaram.

Começa a ser quase lugar comum, como escreveu Adriano Moreira[1], «[q]ue a abstenção cresça, pela inquietante falta de confiança que os eleitores manifestam em relação ao desempenho de todos os ramos da soberania, não se trata de uma condição específica de qualquer dos Estados, é antes uma circunstância comum que parece alargar a sua presença por todos os canais do globalismo» e que, acrescento eu, pouco ou nada parece preocupar os políticos[2], dando até a imagem que é essa a intenção.

Recentes acontecimentos, como o regresso dos confrontos entre manifestantes e polícia que ocorreram durante as manifestações do 1º de Maio na Alemanha, Grécia e Turquia, a grande afluência às manifestações em França[3], são evidentes sinais de uma crescente tensão social e até alguns mais marginais, como o “ataque” à família real holandesa (na véspera do 1º de Maio) e os incidentes em Lisboa com o cabeça de lista do PS às eleições europeias, devem ser inseridos num contexto tão específico e tão actual quanto o é a crise económica e social que atravessamos, mas não podem de modo algum ser desvalorizados e ainda menos tratados como anormalidades.

O sentimento de frustração e de revolta das populações tenderá a continuar a crescer, pelo menos enquanto os governantes persistirem em discursos demasiado cor-de-rosa e desligados da realidade, mas para bem geral é indispensável que aqueles sentimentos não venham a ser capitalizados pelos discursos demagógicos e populistas nem se transformem num aumento da abstenção nos próximos actos eleitorais, pois este «…é seguramente um erro de resposta que os eleitores cometem, desatentos à evidência de que tal manifestação de desagrado apenas reforça a tendência para que os governos sejam uma expressão de minorias»[4].

O aviso, para mais vindo de quem vem, deve ser levado bem a sério, mas convenhamos que quase tudo nos processos eleitorais das modernas democracias contribui mais para esse efeito que para o inverso e é por isso que, mais uma vez, chamo especial atenção para a urgência de modificar as regras de classificação dos votos para que os votos em branco possam e devam ser contabilizados como votos validamente expressos. Esta proposta e outras como a introdução de mecanismos facilitadores da formação de listas de cidadãos, embora de pequena envergadura, poderão fazer alguma diferença na hora de convocar os cidadãos às urnas e, quiçá, conferir alguma legitimidade acrescida àqueles que serão eleitos.
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[1] A citação é retirada de uma das suas mais recentes crónicas semanais no DN, intitulada: «AS URGÊNCIAS».
[2] Apesar dos constantes apelos ao voto que Vital Moreira, o cabeça de lista o PS às eleições europeias, tem proferido e que são referidos em notícias da TSF e da TVI, mantenho até prova em contrário que a abstenção beneficia os políticos, pois reduz consideravelmente o número de votos necessários à sua eleição.
[3] O NOUVEL OBSERVATEUR noticiou uma quintuplicação dos números de 2008 na notícia «Cinq fois plus de monde que pour le 1er mai 2008».
[4] Ver nota 1.

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