quinta-feira, 1 de maio de 2008

O 1º DE MAIO OU PARA MELHOR ESTÁ BEM, ESTÁ BEM!

As efemérides não podem ser apenas oportunidades para celebrações e festejos de glórias passadas.

Por isso mesmo quando se comemora mais um Dia Mundial dos Trabalhadores, numa data que recorda as lutas operárias[1] que em finais do século XIX se batiam pela redução da jornada diária para as 8 horas, será mais uma excelente oportunidade para aqui fazer referência aos problemas que continuam a atingir aqueles que vivem da comercialização do único bem de que dispõem - o seu trabalho.

Entre os principais problemas costuma referir-se o flagelo do desemprego, realidade que ciclicamente afecta os trabalhadores das economias mais desenvolvidas mas nunca deixou de representar o principal problema nas economias mais periféricas ou menos desenvolvidas, e a eterna luta por um sistema de redistribuição mais equitativo da riqueza. Porém, nesta fase particularmente conturbada de implementação do modelo de pretensa globalização económica está a surgir uma nova realidade, tão preocupante quanto as anteriores: a da crescente pauperização de quem trabalha.

A atestar pelas notícias ontem difundidas a partir de França, segundo um estudo divulgado pelo Observatório Nacional da Pobreza e da Exclusão Social (organismo oficial francês) o processo de redução da pobreza[2] encontra-se estagnado. Os dados divulgados apontam não só para este facto, como ainda indiciam que o volume da pobreza tende a aumentar, uma vez que é cada vez maior o número de trabalhadores que se afundam em situações de precariedade, na medida em que a mera situação de emprego já não assegura a fuga a situações de pobreza[3].

O relatório alerta ainda que a aparente estabilização dos indicadores não pode servir para escamotear o facto de se estar a registar um agravamento da situação financeira dos mais pobres, nomeadamente das camadas mais idosas e isoladas, das famílias monoparentais e dos jovens desempregados ou à procura do primeiro emprego, pelo que a distância entre o nível de vida médio das famílias pobres e o limiar de pobreza estará acrescer, significando na prática que a pobreza será mais generalizada.

Se este é o quadro descrito para o conjunto da economia francesa, que mal ou bem ainda é um país que apresenta o oitavo maior PIB, qual será o cenário nacional quando todos bem conhecemos a realidade da economia portuguesa? Não é só o facto da nossa economia apresentar um PIB que é o 40º no plano mundial, mas principalmente porque é sobejamente conhecida a disparidade da generalidade dos salários nacionais (quando comparados com os dos nossos parceiros da UE), agravada ainda pelas situações de precariedade (sejam elas originadas pelo baixo nível de formação dos trabalhadores sejam pela permissividade da legislação laboral em vigor) e de elevada dependência do investimento estrangeiro para a criação de emprego.

Quando a nível mundial vão ganhando relevância as vozes dos que anunciam a dura realidade da fragilização das economias baseadas em modelos de desenvolvimento suportados quase exclusivamente na esfera financeira, que poderemos nós esperar do futuro próximo?

Onde estão os milhares de postos de trabalho que o governo de José Sócrates, na euforia da vitória, prometeu aos trabalhadores portugueses?

O que foi feito de concreto para colmatar as dificuldades dos milhares que têm visto as fábricas onde trabalhavam encerrarem[4] sob a alegação de que os custos de produção eram demasiado elevados?

Continuará a vizinha Espanha a absorver os mesmos volumes de mão-de-obra nacional quando atravessa crescentes dificuldades resultantes do abrandamento de uma economia fortemente baseada na especulação imobiliária?

Mesmo correndo o risco de falhar num ou noutro caso a resposta ao questionário é globalmente pessimista, tanto mais que quando os cenários de crescimento para as principais economias mundiais não param de ser revistos em baixa (sejam por organismos internacionais, sejam pelos próprios governantes) e as populações se confrontam com aumentos generalizados dos bens de primeira necessidade, o governo de José Sócrates continua a apregoar a nova aurora de prosperidade e crescimento.

Não fora o caso de estarmos a tratar de uma questão particularmente séria (e que afecta quase toda a gente) quase me apetecia recordar aqui que talvez a verdadeira explicação para esta estratégia possa ser encontrada no velho cenário do oásis guterrista, ou não fora Sócrates um dos discípulos dilectos de António Guterres.

Com miragens (do tal oásis que poucos mais conseguem lobrigar) ou outras visões e invocações divinas já naquela época deveríamos ter aprendido que não conseguiríamos sair deste ciclo infernal de empobrecimento nacional, mas apesar disso ainda hoje parece haver quem acredite que breve virá um novo salvador da Pátria.

Duvidam? Vejam com atenção os discursos e as declarações dos candidatos à liderança do PSD; ouçam o que dizem os que pretendem ser reconhecidos como alternativa ao actual governo e verifiquem a quase absoluta coincidência de opiniões e de políticas (ou da sua ausência) entre todos eles.

Porque o 1º de Maio surgiu como marco de luta e de afirmação de vontades, o que de melhor me ocorre é repetir o refrão da velha canção:

«Para melhor está bem, está bem
Para pior já basta assim!»
_____________
[1] Os factos remontam ao mês de Maio de 1886, data em que realizou uma greve geral acompanhada de várias manifestações nas ruas de Chicago; nos dias seguintes mais manifestações terminaram em confrontos com a polícia, dos quais resultou a morte de alguns trabalhadores, novas manifestações de protesto, novos confrontos e mais mortes entre trabalhadores e polícias. A data começaria a ser comemorada a partir de 1889, quando a segunda Internacional Socialista aprova uma proposta para que anualmente se convoquem, naquela data, manifestações reivindicando aquela redução de horário de trabalho. Na sequência desta decisão, nas manifestações que ocorreram em França em 1891, virão a ocorrer novos confrontos e mais vítimas mortais que contribuíram para acentuar ainda mais o carácter da data como um dia de luta dos trabalhadores.
[2] NA UE usa-se como critério o valor de 60% do rendimento médio para definir o limiar de pobreza.
[3] É talvez oportuno recordar aqui aquelas que são consideradas as principais causas da pobreza, uma vez que esta resulta de um conjunto de factores como:

  • Factores políticos e legais – corrupção, inexistência ou mau funcionamento de um sistema democrático e fraca igualdade de oportunidades;
  • Factores económicos – sistema fiscal desadequado ou socialmente injusto, investimento reduzido e uma economia pouco diversificada;
  • Factores sócio-culturais – baixo nível de instrução e formação das populações, discriminação social ou racial, exclusão social e crescimento demográfico muito acentuado;
  • Factores naturais – catástrofes, epidemias (incluindo as dependências do álcool e de drogas) e situação climatéricas ou geográficas extremas;
  • Factores históricos – situação pós-colonial recente e passado de autoritarismo político;
  • Factores de insegurança – guerras, genocídios e crime organizado.

[4] Um bom exemplo disto mesmo é esta notícia de hoje sobre o despedimento de mais 400 trabalhadores da Yazaki Saltano.

Sem comentários: