sábado, 3 de maio de 2008

CARTER CONTRA OS TARTUFOS

Desde as primeiras notícias que deram conta da intenção do ex-presidente norte-americano, Jimmy Carter, se encontrar com dirigentes do Hamas que tenho procurado acompanhar a evolução desta iniciativa que, como não podia deixar de ser foi prontamente criticada pelo governo de Israel.

Ehud Olmert e os restantes membros não parecem dispostos a flexibilizar, por pouco que seja, o princípio de que não existe qualquer possibilidade de negociação com o que apelidam de grupo terrorista – o Hamas – tanto mais que enquanto simulam negociar com a Fatah, liderada por Mahmoud Abbas, vão na realidade prolongando a ocupação dos territórios palestinianos e esperando convencer a comunidade internacional que a solução para a crise que eles próprios ajudaram a criar é a divisão entre judeus e palestinianos.

Sustentados no facto de terem conseguido incluir aquele grupo islâmico nas listas internacionais de grupos terroristas, que os EUA se apressaram a criar após o 11 de Setembro, nem sequer após a vitória eleitoral do Hamas nas últimas eleições palestinianas[1] o governo de Telavive revelou o menor sinal de abertura. Pelo contrário, continua a privilegiar uma política de isolamento e de confronto com os palestinianos que chega ao ponto de aplicar um bloqueio à porção do território que o Hamas controla – a Faixa de Gaza – na sequência dos confrontos ocorridos em Junho de 2007 entre militantes deste grupo e da Fatah.[2]

Paralelamente, os seus correligionários americanos tudo têm feito para denegrir a iniciativa de Jimmy Carter, sendo excelente exemplo disso a panóplia de notícias e artigos de imprensa[3], acompanhados de cartoons, que surgiram na imprensa norte-americana retratando o ex-presidente como um joguete nas mãos dos terroristas.

Não estranho a estratégia, habitual neste tipo de situações e quando esgotados os argumentos para contradizer os pressupostos que o próprio enunciou no Cairo, após os primeiros contacto com responsáveis do Hamas, quando afirmou numa alocução proferida na Universidade Americana daquela cidade egípcia que a sua iniciativa apenas pretendia servir de exemplo para outros responsáveis e que era sua convicção que a estratégia de tentar isolar politicamente o Hamas apenas estava a servir para o fortalecer comparativamente com a Fatah.

Ninguém de boa fé poderá afirmar que a estratégia implementada pelos governos israelita e americano estará a resultar, salvo se for entendido como medida de sucesso a degradação das condições de vida das populações da Faixa de Gaza que o bloqueio israelita parece apostado em aniquilar pela via da fome, isto enquanto vai continuando a realizar os seus bem sucedidos raids eliminação selectiva de alvos.

Mesmo para os que pretendam ver o ex-prémio Nobel da Paz Jimmy Carter como o faz caricaturista Bob Gorrell, como apenas mais uma das armas terroristas…

…parece-me difícil convencer a opinião pública mundial de que o homem que negociou o primeiro acordo de paz israelo-egípcio – os acordos de Camp David, firmados entre Menachem Begin e Anwar al-Sadat – no distante ano de 1979. Reflexo disso mesmo tem sido a abordagem desta polémica na imprensa europeia, mais heterogénea que a norte-americana, a ponto do conceituado e conservador LE MONDE[4] ter colocado abertamente dúvidas quanto à eficácia da estratégia de isolamento do Hamas, adoptada por americanos e europeus.

Para já, e de concreto, pouco ou nada resultou desta iniciativa de Jimmy Carter além de muitos desmentidos e muita desinformação. A afirmação proferida por Carter a partir de Israel de que o Hamas estaria disponível para aceitar uma trégua, noticiada nomeadamente pelo DN, era no mesmo dia contrariada pelo PUBLICO que afiançava que o movimento islâmico não reconheceria o estado judaico além das fronteiras de 1967.

Isto significa na prática o que há muito vêem defendendo os líderes do Hamas: o não reconhecimento da ocupação israelitas de Jerusalém Leste, da Cisjordânia, da Faixa de Gaza e dos Montes Golan, a constituição de um estado palestiniano com capital em Jerusalém Leste, o desmantelamento dos colonatos judaicos nos territórios ocupados (Cisjordânia e Faixa de Gaza) e o reconhecimento do direito de regresso dos palestinianos expulsos daqueles territórios.

Enquanto de parte a parte se mantêm a intransigência de posições, bem expressa no facto da secretária de estado norte-americano Condoleezza Rice ter reagido às declarações de Carter[5] com a reafirmação da obrigatoriedade do Hamas renunciar à luta armada e a reconhecer Israel, no terreno a situação das populações palestinianas não pára de se agravar, pelo menos é o que afirma um relatório do Banco Mundial recentemente publicado que revela as limitações ao progresso económico resultantes da actuação israelita a qual não é poupada nas críticas.
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[1] As eleições legislativas realizaram-se em 25 de Janeiro de 2006 e registaram uma vitória do Hamas, movimento de origem islâmica tido como próximo dos Irmãos Muçulmanos (partido egípcio que se opõe ao governo secular de Hosni Mubarak). Este resultado, tido como surpreendente para a diplomacia ocidental, criou uma situação politicamente muito complicada na região agravada ainda pela recusa da Fatah (partido derrotado e a que pertence o Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas) em participar num governo de unidade palestiniana.
[2] Para mais detalhes sobre esta questão ver os posts «OS IRMÃOS INIMIGOS», «CONTRIBUTOS E OBSTÁCULOS PARA A PAZ - I», «CONTRIBUTOS E OBSTÁCULOS PARA A PAZ - II» e «NO FINAL DA FESTA CAIU A MÁSCARA».
[3] A título de exemplo, até pela origem, ver o artigo publicado no DAILY STAR do Líbano.
[4] Ver aqui o artigo em questão.
[5] Ver aqui a notícia difundida pela AFP.

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