quarta-feira, 7 de maio de 2008

AS CONTRADIÇÕES DE CAVACO E O LABIRINTO DE VITORINO

A leitura da última crónica publicada por António Vitorino no DN, sob o título «LABIRINTO», induziu-me a retomar o tema do discurso do Presidente da República na cerimónia do 25 de Abril, se mais não fosse pelo facto de não ter o esgotado quando escrevi que discursos leva-os o vento.

Para mais Vitorino aborda a questão numa perspectiva de membro da classe política e embora reconheça que «…no mundo de comunicação global em que vivemos, a política constitui uma das actividades humanas que mais dificuldade tiveram em se adaptar às novas regras. Dito de outro modo: a política perdeu o seu "nicho de mercado" reservado, entrou em concorrência directa com outros "produtos" comunicacionais e... perdeu!», queda-se por uma explicação que não aborda o que me parece ser a questão fulcral: o cerne do problema não está na banalização do acto ou do pensamento político mas sim no vazio desse mesmo pensamento.

E como se não bastassem os discursos (e as ideias) vazios de conteúdo, rapidamente a estes se seguiram os políticos despidos de ética e de valores, pois é bem sabido quanto a ausência de ideologia (ou de simples ideias próprias) é o ambiente idealmente propício ao seguidismo. Quando o confronto político abdicou da vertente do debate de ideias (como é que alguém vazio de ideias as pode debater) entrou num ciclo de predominância dos populistas o que coloca o conjunto do fenómeno político a um passo do descrédito e, perigosamente, abre caminho aos que ainda acham que a solução é “haver alguém a mandar”.

Contrariamente aos que defendem que a mera integração europeia, que Portugal acompanha, garantirá por si só a manutenção da democracia[1], penso que corremos o sério de risco de já estarmos a viver um ciclo de “democracia de pacotilha”, caracterizado não só pela prevalência do tão apregoado bipartidarismo mas principalmente pela prevalência das respectivas correntes populistas o que conduzirá, inevitavelmente, a um distanciamento cada vez maior dos cidadãos e a uma mais fácil emergência dessas mesmas correntes.

Dito isto, estará o nosso modelo democrático no limiar de um vórtice de autodestruição?

Serão premonitórias, apesar do ridículo de terem sido proferidas por dois dos representantes máximos do nosso modelo democrático, as declarações de Cavaco Silva que durante o discurso citado referiu que «(n)ão há democracia sem política e não há política sem ideias políticas» e do presidente da Assembleia da República, o socialista Jaime Gama, que disse no seu discurso[2] que a criação de ideias políticas é indispensável para a democracia?

Quando duas das personalidades de topo dos dois partidos que praticamente desde o 25 de Abril têm conduzido os destinos do nosso país, proferem na mesma data afirmações deste tipo haverá pouco lugar a dúvidas quanto ao estado a que chegou o regime, mesmo que se queira manter uma fachada de normalidade.

Isso mesmo terá sido tentado pelo editorialista do DN[3] que logo no dia 26 escrevia que «Cavaco acertou na mouche ao dedicar ao alheamento dos jovens portugueses da coisa política o seu discurso comemorativo de mais um aniversário do 25 de Abril», para concluir que «(o)s partidos devem, por isso, reflectir seriamente neste aviso do PR, que com a sua palavra deu um peso institucional suplementar a uma revolta silenciosa dos eleitores que se exprimia através de crescentes taxas de abstenção»; mas mesmo lembrando que «(n)unca desde o 25 de Abril os partidos políticos estiveram tão distantes dos cidadãos» e que a «esta fria distância não é estranho o facto de a primeira geração de políticos profissionais ter chegado ao poder nos principais partidos. Os dois primeiros-ministros mais recentes, Santana Lopes e José Sócrates, formaram-se na escola das Jotas», enquanto, beatificamente, esquecia que o autor do discurso que louvava foi responsável por oito anos à frente do governo da República e que este período coincidiu precisamente com o que marcou o início desse mesmo afastamento.

Este tipo de análise, apesar de algumas vozes discordantes[4], foi dominante na imprensa ao ponto de nos principais jornais (para nem sequer falar nas cadeias de televisão) a polémica ter passado quase sem especial destaque, algo que embora estranho se insere precisamente na estratégia que há muito os aparelhos do PS e do PSD vêm implementando – esqueçam o que dizemos ou não dizemos e votem em nós!
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[1] Veja-se a título de exemplo as opiniões transcritas neste artigo do PUBLICO, assinado por Adelino Gomes.
[2] Citado nesta notícia do PUBLICO.
[3] O editorial referido pode ser lido na íntegra aqui.
[4] A título de exemplo refira-se este texto publicado no próprio dia, na página do PORTUGAL DIÁRIO.

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