A leitura no fim-de-semana de uma entrevista do DN à eurodeputada Ana Gomes a propósito do Kosovo e as últimas notícias sobre Timor, ganharam para mim novos significados. Não pela absoluta novidade que uma e outra possam ainda apresentar mas, fundamentalmente, porque me parecem existir evidentes semelhanças em ambas as situações e que, mais uma vez, os dirigentes europeus e mundiais se preparam para dar o seu aval a uma solução ditada por obscuros (ou pelo menos pouco claros) interesses.
É preocupante lermos na entrevista a Ana Gomes que esta ache normal a inevitabilidade da independência do Kosovo, quando é a própria a afirmar que aquele território não dispõe de condições de sustentabilidade como país... Não basta aliviar a consciência propondo medidas estruturais de desenvolvimento de um território quando a priori se sabe que o mesmo não dispõe de condições mínimas de existência.
Depois dos desenvolvimentos a que temos assistido em Timor – território que apesar das evidentes distinções da ocupante Indonésia também não dispunha de uma estrutura económica auto sustentada – e nos famigerados territórios palestinianos – cuja anunciada autonomia, face à absoluta ausência de estruturas e de aparelho produtivo, é apenas mais um exemplo da hipocrisia da diplomacia mundial -, eis que nos preparamos para aplaudir a criação de mais um estado inviável no interior da própria Europa!
Que aos EUA e à Rússia interesse a criação de mais um ponto de conflito onde definam o respectivo poder e influência é algo de absolutamente natural, agora que a UE, que atravessa uma fase de pronunciada instabilidade interna (ao nível político, económico e até organizacional) e será seguramente a maior prejudicada pelas estratégias de projecção de poder de americanos e russos, embarque nesta aventura é que me parece inadmissível.
Depois do que diz ter visto como é que Ana Gomes e o Parlamento Europeu, entidade que foi representar na sua deslocação ao Kosovo, podem concordar com a criação de mais um estado falhado?
Quando confrontados com o facto da população kosovar não representar mais que uma extensão da vizinha Albânia e que os seus governantes ainda não conseguiram resolver sequer o problema do abastecimento regular de energia eléctrica, isto apesar dos 900 milhões de euros investidos pela UE na modernização da rede eléctrica local, que outra leitura poderão fazer os sérvios senão a de que esta é apenas mais uma punição imposta pelos EUA, os grandes defensores da independência?
E é neste ambiente altamente propício a novo deflagrar de um conflito que uma UE fragilizada pelo ciclo de crescimento que ainda não conseguiu harmonizar vai aceitar participar e apoiar os dirigentes de um novo estado cujas profundas ligações ao crime organizado bem conhece?
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