A mais recente destas teve origem em França e foi apresentada sob a forma de um «Rapport de la Commission pour la libération de la croissance française» elaborado por encomenda do presidente Sarkozy e sob a direcção de Jacques Attali[1]. No essencial aquele extenso documento enuncia um conjunto de 300 medidas particularmente orientadas para a liberalização da actividade económica e para a reorientação do “investimento” na educação e na investigação.
Bem ao gosto da moda actual, Jacques Attali preconiza um vasto conjunto de medidas orientadas para a liberalização de mercados específicos e sujeitos a fortes medidas restritivas. Em França, como entre nós, faz sempre efeito junto da opinião pública a apresentação de ideias liberalizadoras sob a capa da eliminação de privilégios e que para cúmulo assegurem ainda o crescimento da economia, a redução do desemprego e do défice público.
Diz o ditado popular que quando a fartura é muita o pobre desconfia e isso mesmo fizeram alguns economistas franceses que prontamente vieram a público denunciar as fragilidades do documento e enquanto uns começaram por criticar os seus pressupostos, que acusam de apresentar um diagnóstico arcaico da França, além de não apontarem a queda no consumo privado como principal causa do fraco crescimento económico, mas sim a opção pelo investimento especulativo em prejuízo do investimento produtivo, outros defenderam as vantagens de aumentar o investimento nas tecnologias de ponta em detrimento dos sectores prestadores de serviços a baixo custo e não faltou sequer quem o denunciasse como criador de maiores desigualdades sociais por aumentar a transferência da carga fiscal e social das empresas para as famílias.
Independentemente das virtualidades e defeitos que o relatório contenha, ninguém negará que este apresenta para nós portugueses um evidente ar de “déjà vu” e, pior, de “déjà fait”; quem negará as evidentes semelhanças entre o programa proposto por Jacques Attali e o que o governo de José Sócrates vem aplicando?
Adequadas ou não, o facto é que este tipo de propostas apresentado como um natural e indispensável processo de racionalização e de redução dos custos da actividade pública, se tornou moeda corrente. Um pouco por todos os países se multiplicam iniciativas que visam reduzir o peso do estado na actividade económica.
Recentemente têm, entre nós, feito figura de primeira grandeza as iniciativas decididas pelo governo de José Sócrates de intervenção ao nível do Sistema Nacional de Saúde – em resposta às quais a natural contestação popular já terá custado o lugar ao anterior ministro da saúde, Correia de Campos – a criação de um regime de mobilidade na função pública e as alterações aos regimes da Segurança Social – traduzidas num aumento da vida útil dos trabalhadores e numa redução nos montantes das reformas a receber – as quais não constituem senão outras tantas das medidas habitualmente preconizadas pelos especialistas para a resolução dos “delicados problemas” originados pelos défices públicos.
O que na realidade se procura escamotear é que a coberto de pretensas necessidades de equilíbrios financeiros há alguns anos que se vem generalizando uma controversa prática de esvaziamento da iniciativa pública na vida das sociedades ocidentais. O movimento iniciou-se pretextando a ineficiência da gestão pública para justificar a entrega à iniciativa privada de alguns sectores do domínio público, como a produção e distribuição eléctrica, as comunicações, os transportes públicos, mas hoje tende a alargar-se a muitos outros como as vias de comunicação, a distribuição de água e saneamento público, a recolha e tratamento de lixos e até a alguns tão sensíveis e importantes como a educação, a saúde, a segurança social e a segurança.
Na ausência das adequadas políticas que consistentemente defendam os interesses das populações temos assistido à regular capitulação dos poderes públicos perante a crescente pressão dos grupos económicos. Foi assim que há uns anos assistimos à cedência da gestão de alguns hospitais públicos à iniciativa privada e a situações ainda mais absurdas como a da partilha de instalações hospitalares que revelando graves carências na área pública oferecem condições impares de disponibilidade na área privada.
Enquanto se persiste num processo de auto-redução de funções do Estado em benefício dos lucros do sector privado e quando seria de esperar que aquele seria acompanhado de uma redução das despesas – com a consequente redução de impostos – assistimos a uma constante aumento das despesas públicas que os teóricos neoliberais atribuem ao ainda excessivo peso do sector público (em especial ao elevado número de funcionários) talvez para esconderem o aumento dos custos originados pelo encarecimento dos serviços que as empresas privadas passaram a “vender” ao Estado, entre o quais se contam as recentemente descobertas “necessidades” de vigilância por meios electrónicos.
Para disfarçar o verdadeiro objectivo das políticas que estão a ser aplicadas os políticos que delas se têm encarregado recorrem a tácticas de diversão apresentando outras de menor ou nulo relevo económico como questões fundamentais para a vida das sociedades, de que são exemplo as políticas de reconhecimento do casamento entre homossexuais e as leis antitabagistas.
Estas medidas que os sectores políticos mais “modernistas” nos vêm impingindo como questões importantes e fracturantes mais não servem que para nos atirar poeira para os olhos enquanto tranquilamente vão delapidando as riquezas nacionais e as políticas sociais em benefício das grandes empresas nacionais e estrangeiras, sem que daí advenham os prometidos crescimentos económicos.
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Em 2001 foi envolvido no processo de tráfico de influências que ficou conhecido em França pelo nome de Angolagate emais recentemente viu-lhe confiada pelo actual presidente francês, Nicolas Sarkozy, a tarefa de elaboração de um diagnóstico sobre os entraves ao crescimento da economia francesa.
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