No meu último “post” abordei a questão da falta de preparação dos aforradores nacionais para gerirem os produtos financeiros “mais sofisticados” que a banca “lhes oferece”. Sarcasmos aparte, esta dificuldade não é exclusivo nacional, antes extensível à generalidade dos intervenientes nos mercados internacionais a ponto de hoje quase se poder afirmar que não existe se não um único mercado.
Para se ter uma ideia do grau de sofisticação e de interdependência que os mercados financeiros apresentam atente-se no último relatório apresentado por um grupo de analistas europeus do LEAP/E2020 (LABORATOIRE EUROPÉEN D’ANTICIPATION POLITIQUE) que alertam para a forte probabilidade de uma crise financeira internacional, baseando a sua análise na situação de elevada dependência da economia norte-americana.
Eu próprio escrevi em meados de Março sobre o efeito da queda do mercado imobiliário norte-americano sobre as cotações das principais bolsas mundiais (ver AS BOLSAS E O IMOBILIÁRIO), procurando expor as razões que motivam a ocorrência de tal fenómeno, mas o que agora o LEAP/E2020 veio fazer é bastante mais profundo e global. Mesmo mitigando o efeito bombástico do relatório que antecipa para o mês em curso o início de uma «Grande Depressão», permanece a inegável evidência da fragilidade da economia norte-americana à actuação da economia chinesa (talvez se venha a revelar mais correcto falar em economia asiática); foi assim que o anúncio em Novembro de 2006 sobre a intenção do banco central chinês diversificar as suas reservas monetárias noutras divisas além do dólar americano (presumivelmente o euro) fez cair de imediato a cotação daquela divisa.
Mais recentemente a queda das cotações registada em finais de Fevereiro na bolsa de Xangai, terá tido origem em declarações das autoridades chinesas sobre a sua intenção de virem a limitar a especulação bolsista. De pronto se fez sentir nas principais praças mundiais um efeito dominó, devido, principalmente, à emissão simultânea de milhares de ordens de venda destinadas a assegurar os ganhos possíveis, nas respectivas praças, e assim minimizar os prejuízos iniciais.
O impacto foi tanto maior quanto é crescente o peso que actualmente apresenta o endividamento externo norte-americano detido por estrangeiros (superior a 12 biliões de US$ e a registar taxas de crescimento médio de cerca de 62,5% ao ano), fenómeno agravado pelo também crescente desiquilíbrio na balança comercial entre os EUA e a China que tem transformado este país num dos principais credores daquela economia.
Quando a estes fenómenos se somam outros como a crise que parece instalar-se no sector imobiliário dos EUA, a redução no consumo interno ditada pela quebra de rendimentos das famílias e os efeitos de retracção que já se fazem sentir noutros sectores económicos (tanto que o Congresso norte-americano se prepara para votar um conjunto de medidas proteccionistas especificamente destinadas a limitar as exportações chinesas), abundam os indícios para o deflagrar de uma guerra comercial entre aquelas duas economias.
O mais inacreditável é que esta nova crise em que os dirigentes norte-americanos parecem querer mergulhar, poderá funcionar ao nível do económico e do monetário da mesma forma que a aventura iraquiana está a funcionar ao nível do geopolítico. O aquecer dos ânimos entre americanos e chineses vai ter seguros reflexos na economia mundial, seja pela rápida reacção dos mercados financeiros, seja por um quase inevitável cerrar de fileiras em torno dos dois contentores (com a generalidade dos países asiáticos, incluindo o Japão, a alinharem com a potência regional dominante e os países ocidentais, incluindo a União Europeia, a alinharem com os EUA), e poderá terminar muito mal na medida em que é muito duvidoso pensar que os chineses aceitem passificamente perder em toda alinha sem desencadear uma resposta demolidora.
Como refere o relatório do LEAP/E2020, pensar assim «…será uma verdadeira infatilidade intelectual, comparável à que prevaleceu há quatro anos em Washington, quando toda a gente estava convencida que os iraquianos iriam acolher os soldados americanos com flores».
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