quarta-feira, 25 de abril de 2007

PORTUGAL – UM RETRATO ECONÓMICO

Que melhor oportunidade para reflectirmos sobre a nossa situação que a data em que se assinala a passagem de mais um ano sobre o fim do Estado Novo.

Como muito a propósito nos vem recordando António Barreto no seu «PORTUGAL – UM RETRATO SOCIAL», documentário que a RTP está a exibir, muito mudou no nosso país nestes últimos trinta anos. Porém, como o próprio reconhece, muito continua a precisar ser mudado!

Entre as muitas coisas que caberiam mudar, conta-se uma que pela sua relevância deve merecer a melhor atenção de todos nós – a repartição da riqueza.

Esta questão, que a todos interessa porquanto dela deriva o seu rendimento pessoal, é considerada por muitos especialistas como uma das questões chave para entender o desenvolvimento das nações.

Os defensores do pensamento económico neoliberal sustentam que por via da concentração da riqueza das nações num número reduzido de pessoas a poupança crescerá e, consequentemente, o investimento aumentará, originando o crescimento económico.

Tratando-se esta da opinião dominante entre os governos da U.E., entre os quais se incluem os portugueses, importa confirmar a respectiva validade; para isso vamos utilizar dados estatísticos do Eurostat e do INE para verificarmos aquele axioma.

Começando por analisar as variações salariais entre 1996 e 2004, constata-se que não só Portugal continua a apresentar salários muito inferiores à média da U.E. (qualquer que se considere o universo observado) como durante o período esse desequilíbrio ainda se agravou.

Fazendo fé no axioma neoliberal e nos dados anteriores, era expectável que o investimento em Portugal tivesse aumentado, porém, a avaliar pelas contas publicadas pelo INE o que se verificou entre 2001 e 2005 foi uma redução daquela variável superior a 15%.

Paradoxalmente, ou talvez não, este fenómeno foi há muito explicado pela teoria económica (principalmente por John Maynard Keynes e pelos seus seguidores) e pela realidade prática; aquele economista anglo-saxónico defendeu mesmo a importância do papel do Estado na condução da política de investimento em clara oposição às correntes liberais que privilegiam a “bondade” da iniciativa privada.

Deixando as minudências da informação estatística (muito bem expostas no artigo «AS GRAVES DESIGUALDADES NA REPARTIÇÃO DA RIQUEZA EM PORTUGAL SÃO UM OBSTÁCULO AO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO DO PAÍS», de Eugénio Rosa) mas retendo o essencial do que quase todos sentimos no nosso dia-a-dia, pode-se concluir que a opção por uma política que ostensivamente tem beneficiado os segmentos mais abastados da nossa economia, longe de contribuir para o crescimento económico, que todos os actores do nosso espectro político afirmam pretender (e prometem de forma desbragada e desavergonhada), tem-se apenas traduzido no empobrecimento da esmagadora maioria da população nacional (segundo afirma Eugénio Rosa no artigo citado «...entre 2001 e 2004, o número de vezes que o rendimento dos 20% mais ricos da população é superior aos 20% mais pobres aumentou, em Portugal, de 6,5 para 7,2 (portanto + 0,7), enquanto a média dos 25 países da União Europeia cresceu de 4,5 para 4,8 (portanto +0,3)»).

Este problema da quebra do investimento pode igualmente ser associado a um outro chavão do recorrente discurso político nacional - a produtividade.

A pretexto de tudo e de nada não existe político que se preze que não recorra à famigerada produtividade (ou à sua ausência) para sustentar a necessidade de reformas, para justificar o aumento do número de falências e o crescimento do desemprego e, até, a falta de competitividade da economia nacional. Fazendo fé nestes discursos, infere-se que a generalidade da população trabalhadora nacional simplesmente não trabalha, e isso é o que se pretende para justificar uma política de distribuição da riqueza desequilibrada e desadequada.

Como muito bem expôs Palhinha Machado, num artigo publicado em 2005 na revista ECONOMIA PURA, para ultrapassar as dificuldades criadas pela complexidade dos modos de produção o que se passou a medir «...não era mais a produtividade do trabalho directo, mas a produtividade do total dos factores (organizados de uma forma não explicitada), inevitavelmente sujeita ao “ruído” gerado pelos preços relativos»; por outras palavras o que é avaliado pelo indicador produtividade é uma combinação de factores produtivos (que desde os tempos de Adam Smith[1] e David Ricardo[2] são conhecidos por trabalho e capital), logo influenciada pela maior ou menor importância de factores como a inovação e a automação (ou mecanização) os quais dependem estritamente do investimento realizado.

Como por milagre (fenómeno inexistente na economia real) voltámos ao início dos nossos problemas - o investimento, ou melhor, no caso português a sua ausência.

Mesmo correndo o risco de poder ser acusado de simplismo, tudo, ou quase tudo, se resume à constatação de que o muito que falta mudar passa fundamentalmente por uma política orientada para os interesses gerais dos portugueses em detrimento da que vem sendo aplicada, que além de apenas beneficiar uma franja ainda se revela profundamente prejudicial ao conjunto.

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[1] Adam Smith (1723 — 1790) foi um economista e filósofo escocês, considerado o pai da economia moderna e o mais importante teórico do liberalismo económico. Autor de "A RIQUEZA DAS NAÇÕES", a sua obra mais conhecida e que continua a ser uma obra de referência para gerações de economistas, procurou demonstrar que a riqueza das nações resultava da actuação de indivíduos que, movidos apenas pelo seu próprio interesse egoísta (self-interest), promoviam o crescimento económico e a inovação tecnológica.

[2] David Ricardo (1772 — 1823) é considerado um dos principais representantes da economia política clássica. Influenciado por Adam Smith (A RIQUEZA DAS NAÇÕES) publicou “PRINCÍPIOS DE ECONOMIA POLÍTICA E TRIBUTAÇÃO”, que o consagrou como o grande nome da Economia Política Clássica, junto com Adam Smith. A ele se deve o teoria do valor-trabalho e teoria das vantagens comparativas constitui a base essencial da teoria do comércio internacional.

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