Embora não tenha havido publicação que hoje não referisse a entrevista que o primeiro-ministro ontem à noite deu à RTP, nenhuma respondeu à mais candente das perguntas: terá o país parado para o ouvir?
O problema não era de importância menor – tratava-se de saber se o José Sócrates foi ou não favorecido no processo de atribuição de uma licenciatura em engenharia civil – e ainda menos irrelevante (embora o visado nunca tenha, nem venha, a elaborar um único projecto da especialidade) para o progresso e melhoria da qualidade de vida do país e poderá, quiçá, explicar as razões para o apego com que o seu governo se encarniça na defesa da construção do novo aeroporto na Ota.
Facto ou ficção, a realidade é que nas últimas semanas graças ao “caso da licenciatura” e ao “caso da Universidade Independente” a questão nacional que é a construção do aeroporto na Ota deixou de merecer atenção. Ninguém mais se interrogou sobre a enormidade que será gastar 3 mil milhões de euros na construção de uma infraestrutura que à partida padece de limitações de natureza física (o local escolhido inviabiliza qualquer hipótese de expansão futura) e levanta inúmeras questões de natureza operacional, das quais as menores poderão ser o regime de ventos e de condições para a regular formação de bancos de nevoeiro.
Para o melhor e para o pior, “alguém” conseguiu pôr o país a discutir questões da máxima relevância como:
1. o número de cadeiras que um aluno fez para concluir uma licenciatura;
2. a qualidade do plano de equivalências que foi elaborado pela universidade onde se licenciou;
3. se o aluno frequentava as aulas ou não;
4. quais foram os professores que leccionaram as respectivas cadeiras;
5. a data de conclusão da licenciatura;
e muitas outras que a pouca atenção que tenho prestado ao caso não me permitem agora citar.
Em contrapartida questões comezinhas como a correcta estruturação de uma rede nacional de transportes foram varridas para o limbo da memória colectiva.
Para quem duvide da existência de uma estratégia concertada (ou pelo menos do pronto aproveitamento de um “fait divers”) recomendo a leitura de uma notícia do DN que dá conta que ontem, na reunião da Comissão Parlamentar de Obras Públicas, o ministro que tutela aquela pasta, Mário Lino, reconheceu a necessidade de recorrer ao aproveitamento de outra infraestrutura aeroportuária existente afim de enfrentar o esgotamento do aeroporto da Portela antes da conclusão da Ota. Mas a notícia vai longe quando informa que aquele governante foi mais longe, ao afirmar que «...a opção pela chamada Portela mais um, deverá avançar, não como alternativa à Ota, mas como solução de recurso transitória até esta nova infra-estrutura estar operacional».
A cronista não o especifica, mas ninguém, entre a nata dos parlamentares portugueses, terá questionado o ministro sobre um ponto fundamental deste seu plano: se criar uma nova estrutura aeroportuária complementar à Portela como espera vir a “obrigar” as “low cost” a abandoná-la em detrimento da Ota quando esta estiver pronta?
Porque será que a esmagadora maioria dos políticos e parlamentares nacionais raramente levantam as questões verdadeiramente determinantes?
Será por puro desconhecimento? Ou, mais prosaicamente, porque o objectivo último da sua existência não é o serviço da coisa pública mas sim o de mesquinhos interesses políticos, ou pior, o de interesses que almejam vultuosos lucros dos negócios “gerados” pelos políticos?
Se tiverem dúvidas sobre alguns dos muito vastos interesses que rodeiam a questão da Ota consultem a informação disponível no endereço MAQUINISTAS.ORG, leiam, ou releiam a generalidade das intervenções políticas a favor e contra a Ota (mesmo estas não colocam em dúvida a necessidade de construir um novo aeroporto e assim contribuir para o aumento dos lucros das empresas de construção) e vejam se existem ou não fortes razões de natureza técnica e económica para defender a aplicação de um outro modelo de solução que passe pela ampliação da Portela (reservando-a para os voos intercontinentais) e pela abertura de um aeroporto de menores dimensões para os voos intracomunitários (que a breve trecho serão um quase exclusivo das “low cost”).
Pesem os custos financeiros das duas alternativas e retirem as vossas próprias conclusões!
2 comentários:
A vitimização é uma arma política emergente.
O português gosta de se vitimizar. Os portugueses são sempre solidários com quem se vitimiza. As teses de perseguição, mesmo que infundadas, potenciam estranha admiração na sociedade portuguesa: foi assim com Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro e Isaltino Morais. José Sócrates é o senhor que se segue.
Embora entenda o seu raciocínio (e a frequente utilização dessa técnica, creio que no caso vertente trata-se mais de uma estratégia orientada para a "criação" de um facto político com o objectivo de escamotear outro bem mais relevante - o debate sobre a real necessidade de uma estrutura faraónica como um novo esroporto internacional.
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