segunda-feira, 4 de novembro de 2013

A POBREZA DO DISCURSO DE CÉSAR DAS NEVES


Lamenta-se o Prof César das Neves na sua mais recente crónica «A pobreza do discurso» que o tema da pobreza não esteja a ser invocado com o objectivo de «…aliviar os pobres mas atacar o neoliberalismo, rejeitar a troika, derrubar o Governo, combater a reforma do Estado, o Orçamento ou outro decreto particular», alívio que (segundo o autor) tem sido historicamente assegurado pela Igreja, tanto mais que o «…poder não gosta dos pobres e estes confiam mais na ajuda do próximo que nas promessas dos chefes».

É por demais óbvio que à mui católica e apostólica visão do Prof se pode aplicar as palavras que usou para apodar os que “falam sobre miséria”, pois «…mesmo bem intencionada, gera exageros, discórdias, perda de objectividade, o que é lamentável em problema tão grave», não que o Prof esteja zangado… apenas um pouco irritado com a situação que apelida de “moderna democracia assistencialista”, onde, como ensaia explicar através dum teorema formulado por Stigler (economista norte-americano da escola monetarista de Chicago e Prémio Nobel em 1982, particularmente conhecido pela sua Teoria Económica da Regulação), «…as despesas públicas são feitas para o benefício primordial da classe média, e financiadas com impostos suportados em parte considerável pelos pobres e pelos ricos», esquecendo (ou esperando que nós esqueçamos) que o que Stigler realmente teorizou é que os grupos de interesse e outros intervenientes políticos usarão os poderes de regulamentação e coercivo do governo para dar às leis e regulamentos a forma que lhes for mais benéfica.

No afã de justificar o actual processo de concentração da riqueza subjacente ao modelo do Consenso de Washington generalizadamente aplicado sob a batuta do FMI e de silenciar os críticos – os que no seu entender beneficiaram durante as décadas de endividamento – vai ao ponto de, esquecendo o brutal crescimento do desemprego, afirmar que são «…os remediados, que se consideram carentes, que fazem as exigências em nome dos silenciosos», como se o poder daqueles alguma vez se pudesse comparar com os dos grupos económicos e financeiros que originaram, sustentam e se alimentam dos benefícios rentistas alcançados através das privatizações e das PPP.


Em resumo, se é condenável o discurso da pobreza (em especial aquele que apenas serve para alimentar ganhos pessoais e políticos), não o é menos um discurso que confunde e sem outro objectivo que o de perpetuar um modelo de empobrecimento geral em exclusivo benefício duma minoria cada vez mais opulenta.

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