quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O RACIONAMENTO NA VIDA E NA MORTE


Poucos teremos hoje dúvidas sobre a evidente degradação das condições de vida no país. Salvo as excepções do costume, todos, duma forma ou doutra, temos a percepção de vivermos pior que há um par de anos atrás e, para agravar o sentimento, sem perspectivas de qualquer melhoria no curto prazo.

Como se não bastasse a incerteza instalada entre assalariados e pequenos empresários quanto à evolução da situação económico-financeira, a sucessão de trapalhadas em que se tem envolvido o governo de Passos Coelho só tem contribuído para agravar um clima de contestação social alimentado pela sucessão de medidas de efeito recessivo.

Ao permanente anúncio de cortes nas despesas de assistência social e de aumentos de impostos juntou-se na passada semana um Parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida sobre um Modelo de Deliberação para financiamento do custo dos medicamentos que parece sancionar uma abordagem mais economicista da Saúde e que a imprensa difundiu anunciando que o «Conselho de Ética dá luz verde ao racionamento de tratamentos para o cancro», ou, mais prosaicamente, deixando antever uma «Porta aberta a cortes no tratamento do cancro e da sida».


Por muito correcta que possa ser a conclusão daquele Conselho, num momento em que são crescentes as dificuldades sentidas pela generalidade da população, e quando a confiança nos dirigentes e nos respectivos assessores será das mais baixas de sempre, dificilmente alguém acreditará que as conclusões daquele parecer serão tudo menos inócuas. Confirmando isso mesmo, foi pronto o coro de contestação à ideia implícita; desde a Ordem dos Médicos à Liga Portuguesa Contra o Cancro, de que o mais barato dos doentes é o doente morto!

Mórbido? Criminoso? Não! A conclusão insere-se perfeitamente na disseminação duma ética própria, e adequada, a quem sobrevaloriza as formulações teóricas às pessoas sobre quem faz recair os seus efeitos. Na economia, nas empresas e agora até na saúde parece que a palavra de ordem é tudo esquecer em exclusivo benefício de resultados que, garantem-nos os autores e demais fautores da teoria, assegurarão o futuro… o pior é que os anos sucedem-se, os resultados vêem-se revelando catastróficos e a solução parece-se cada vez mais com uma pura teimosia.

Será pois estranho associar directamente as políticas restritivas ao nível de salários e de despesas sociais com a degradação da qualidade da saúde das populações?

Que dizer do encerramento de serviços e da concentração de profissionais da Saúde nas grandes áreas urbanas, nas recorrentes notícias de escassez no abastecimento de medicamentos, ou nas regulares críticas formuladas por médicos e enfermeiros?

As características de dogmatismo, amplamente alardeadas pelos nossos governantes, justificam que, no limite, se questione a existência duma certa política eugenista concertada para combater uma pirâmide etária invertida (maior número de idosos que jovens) como a que o país apresenta, que pode ser resumida na ideia de que está para continuar o racionamento na vida (vejam-se as novas medidas de austeridade anunciadas por Vítor Gaspar, das quais se destaca que o «IRS pago pelos portugueses vai subir cerca de 30% em 2013») e agora até na morte.

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