Corte de IVA “prudente” pode vir a não ser sentido pelos consumidores. Este foi um dos títulos escolhidos pelo PUBLICO para dar a conhecer aos leitores, da sua edição impressa, a mais recente decisão do governo de José Sócrates.
Confirmando os sinais que desde o início do ano vinham chegando regularmente dos lados de São Bento, eis que o governo confortado pelos bons resultados da estratégia implementada para a redução do déficit, agora confirmados pelo INE[1], resolveu reduzir a taxa do IVA em 1 ponto percentual.
Dito assim, até podia parecer que esta era uma boa notícia para todos os que diariamente enfrentamos a cada vez mais difícil luta do equilíbrio dos magros orçamentos familiares proporcionados pelos salários, que as confederações patronais nos impõem com o beneplácito do governo; porém, na mesma hora em que fazia o anúncio da descida da taxa do IVA, o governo confessou a sua impotência para assegurar que a medida política anunciada fizesse sentir os seus efeitos nos bolsos dos contribuintes.
Como se não bastasse o óbvio oportunismo político de que se reveste esta medida ainda assistimos ao despudor de um chefe de governo afirmar que os ganhos expectáveis reverterão para os lucros das empresas e não para os magros orçamentos das famílias. Que mais será preciso dizer para explicar porque é que a montanha fiscal pariu um rato anémico?
Mesmo sem querer enveredar por uma explicação demasiado técnica, haverá quem duvide que esta decisão de José Sócrates constitui apenas mais um dos muitos logros a que os nossos governantes nos têm acostumado? É que se a intenção do executivo era realmente a de aliviar a carga fiscal sobre os contribuintes não haveria melhor forma que a de reduzir a taxa do IVA? A resposta é igual para ambas as questões e reveladora de que o que o governo realmente pretende é apenas dar a ilusão de que se mostra preocupado com a crescente redução do poder de compra dos cidadãos enquanto continua a proporcionar meios acrescidos de aumento dos lucros das empresas, em especial das empresas de comércio e distribuição, sector de actividade onde pontificam alguns dos maiores grupos económicos nacionais e estrangeiros – AUCHAN (francês), SONAE Distribuição e JERÓNIMO MARTINS (portugueses), LIDL e PLUS (alemãs), DIA (espanhol, mas integrado no grupo francês CARREFOUR) e INTERMARCHÉ (franchising de origem francesa) – que seguramente muito agradecerão esta iniciativa.
Bem podem vir a público as associações e confederações patronais reivindicar a descida da taxa do IRC como medida mais adequada ao relançamento da economia nacional porque o governo de José Sócrates, perfeitamente consciente da reduzida percentagem de empresários que se sujeitam à tributação em sede de IRC (continua a ser prática corrente perfeitamente aceite pelo aparelho fiscal português que as empresas nacionais sobrevivam anos a fio sem quaisquer lucros e aquelas que apresentam lucros significativos sempre vão encontrando forma de se eximirem ao respectivo pagamento de impostos[2]), encontrou uma via para lhes assegurar um ligeiro aumento nos ganhos que só não é maior por ainda não estar totalmente assegurado o famigerado reequilíbrio orçamental.
A confirmar a manifesta degradação do poder de compra das famílias portuguesas, se tal fosse necessário, eis que ontem o mesmo PUBLICO deu à estampa os últimos dados estatísticos do INE resultantes de um estudo sobre orçamentos familiares, realizado entre Outubro de 2005 e Outubro de 2006, segundo os quais as famílias portuguesas vêem mais de um quarto do seu rendimento gasto nas despesas de habitação ou com ela relacionadas.
O quadro anterior, retirado do relatório do INE, é bem revelador da evolução nos últimos 15 anos, período em que se registou um aumento de 114,5% naquele tipo de despesas; este assinalável aumento terá sido “financiado”, dentro do grupo das principais despesas, graças à redução registada nos gastos com vestuário e calçado (redução de 55,9%), com produtos alimentares e bebidas não alcoólicas (47,5% no mesmo período, fruto da expansão das grandes superfícies e da significativa redução das margens em sectores de actividade como o do comércio a retalho) e à redução de 12,8% nos gastos com transportes (leia-se aquisição de novas viaturas).
Bem podem os técnicos do INE, os jornalistas, como o do PUBLICO, e os políticos afirmar que a redução dos gastos em bens de primeira necessidade (como a alimentação e bebidas e o vestuário) é sinal da evolução e do “enriquecimento” da sociedade portuguesa, porque basta atentar no facto de os gastos com a habitação terem disparado na década de noventa para os mais atentos recordarem que este período coincide com o da passagem pelo governo de Aníbal Cavaco Silva e da política económica liberal que este iniciou, particularmente traduzida no boom da construção civil que durou até ao primeiro lustro deste século.
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[1] O texto do INE - Procedimento dos Défices Excessivos - pode ser encontrado aqui.
[2] Caso concreto disto mesmo noticiou o DIÁRIO ECONÓMICO quando referiu em título que os BANCOS PAGAM MENOS 29% DE IMPOSTOS.
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