sábado, 19 de abril de 2008

AS DORES DE ANDRÉ MACEDO

Fruto da actual conjuntura económica tenho acompanhado com especial assiduidade as últimas edições do DIÁRIO ECONÓMICO, no qual a par com as muitas notícias e análises sobre a evolução da crise económica encontrei há dias um editorial com a assinatura de André Macedo que me parece merecedor de especial atenção por abordar uma questão de grande importância – o que deve ser um Serviço Nacional de Saúde – na actual conjuntura ou em qualquer outra.

O pequeno texto além de pretender analisar a actuação da nova Ministra da Saúde – a quem logo à partida atribui uma manifesta prática de desmantelamento das reformas iniciadas pelo antecessor, Correia de Campos – vai um pouco mais longe e pretende até esclarecer os seus leitores que, contrariando a asserção que atribui a Ana Jorge[1], não poderá haver Saúde sem iniciativa privada.

Como é hábito entre os indefectíveis da supremacia da qualidade da gestão privada sobre a da gestão pública e para maior confusão de ouvintes e leitores misturam-se e confundem-se princípios essenciais de natureza socio-política, básicos à condição e dignidade humana, com postulados do foro político-económico.

O director do DIÁRIO ECONÓMICO pode, e deve, ter ideias próprias e expressá-las (será para isso que lhe pagam), mas não pode é escamotear alguns factos concretos na sua ânsia por agradar aos interesses económicos que há anos vêem rondando o sector da Saúde e que incapazes de prosperarem pelos seus próprios meios reclamam o desmantelamento do SNS de forma a assegurarem maiores lucros.

Assim, em nome do sacrossanto princípio da socialização dos prejuízos e da privatização dos lucros, vão-se encerrando serviços públicos para em sua substituição surgirem negócios a que apenas os mais endinheirados poderão aceder e para que tudo isto não seja alvo de unânime condenação popular não faltam notícias regulares sobre as deficientes condições de funcionamento dos hospitais públicos nem sobre as famigeradas listas de espera para as mais variadas e urgentes intervenções cirúrgicas, como se isso fosse característica intrínseca a um serviço público de saúde e não fruto da intencional redução do investimento nesse serviço.

Esta campanha, orquestrada e magistralmente conduzida, conta ainda com o fortíssimo apoio do sector financeiro, seja por via das parcerias que os principais bancos mantém com empresas da área da saúde seja por via dos modernos seguros de saúde que publicitam maravilhas de celeridade e condições de luxo a preços de saldo, e até com a crescente conivência de governos ávidos de resultados nas suas políticas de redução de déficits.

Bem podem os políticos em geral clamar aos quatro ventos as maravilhas da externalização dos custos e acenar promessas de grandes reduções de impostos apenas alcançáveis por esta via, porque a realidade que de quando em vez a própria imprensa vai apresentando é bem diferente. Há poucas semanas o JORNAL DE NOTÍCIAS noticiava que a Entidade Reguladora da Saúde recebeu perto de 3400 queixas durante o ano de 2007, muitas das quais denunciando situações de discriminação de tratamento, como refere aquela notícia e esta do PUBLICO.

Mesmo sendo real o argumento da importância da iniciativa privada no campo da saúde e que tem sido desta iniciativa que têm surgido as principais inovações tecnológicas no sector, não é a existência de um SNS que inviabiliza a de hospitais, clínicas e consultórios privados e muito menos a impede, porquanto sempre existirá uma franja da população que disporá dos meios de acesso a esses serviços; o que os críticos do SNS não dizem é que a exiguidade desse mercado reduz substancialmente a sua atractividade, ou seja, os lucros...

Não é, como pretende André Macedo, o asco e o desprezo pelo lucro que norteia os que defendem o justíssimo princípio de um SNS, é o asco e o desprezo pelos que subordinam o interesse pessoal ao interesse colectivo e é isto que os andrés macedos deste mundo não conseguem (ou não querem) entender.
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[1] O artigo é introduzido pela seguinte frase laminar: «A ministra Ana Jorge disse no sábado que a Saúde “não pode ser encarada como um negócio” ou como “um sector lucrativo”. Dita por Ana Jorge a frase não surpreende».

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