Embora gravíssima e reveladora do desleixo que tem rodeado o tratamento desta questão, a verdadeira razão que me leva hoje a abordá-la aqui é muito mais profunda.
Os que se têm limitado a acompanhar o problema pelos meios de comunicação, estarão já cientes de que esta é uma questão redundante naquela região de Itália[1], de que existem grandes interesses em torno do problema, porquanto ninguém nega que o processamento de resíduos urbanos é um dos grandes negócios dos tempos modernos[2] e julgarão mesmo que o principal responsável pela situação é a Camorra (versão napolitana da Máfia siciliana). Em defesa desta última tese é inegável a influência duma organização que tem retirado enormes lucros da incapacidade dos responsáveis locais e nacionais para fazer aplicar uma solução para o problema, bem expressa no facto de até agora terem conseguido bloquear todas as tentativas de instalação de incineradoras, de controlarem as unidades de processamento dos resíduos e os respectivos aterros, incluindo os ilegais, prática que lhes tem permitido praticar uma política de preços extremamente agressiva.
Enquanto algumas organizações locais vão fazendo ouvir as suas críticas à passividade dos políticos (e à nefasta influência da Camorra), os problemas associados à falta de condições para o processamento dos resíduos[3] que se acumulam nas ruas e vias da região determinam que outras unidades do país e do estrangeiro se recusem a proceder à respectiva incineração.
A par com esta dificuldade, acresce ainda o facto desta recorrente situação de acumulação de resíduos ser já apontada como causa para a elevada taxa de incidência local de enfermidades como o cancro e de doenças do foro respiratório, enquanto no capítulo dos prejuízos é de referir a paralisação dos cerca de 100.000 estudantes da região por verem os seus estabelecimentos de ensino encerrados e a estimativa da ordem dos 500 milhões de euros, originados na quebra da procura dos produtos agro-alimentares locais e do turismo, recentemente divulgados por associações sindicais e patronais[4].
Perante este cenário de calamidade, além de apontar o dedo à Camorra e aos políticos, que outras ilações podem ser retiradas? A primeira é a de que problemas desta natureza podem ocorrer em muitos outros países e locais[5]; depois importa recordar a necessidade da tomada de decisões atempadas e correctamente orientadas para as populações, mas a mais importante de todas é a de que as dificuldades dos napolitanos não resultam apenas da corrupção e da inépcia dos políticos. O lamentável estado a que chegou este problema é principalmente fruto duma política económica incorrecta e absolutamente prejudicial das populações em geral e das de menores recursos em especial.
Não grassasse um despudorado furor de privatizar tudo o que possa oferecer um mínimo de lucro e talvez os habitantes da Campania não estivessem abraços com as toneladas de lixo que ciclicamente ameaçam subjugá-los.
Na prática este problema é em tudo idêntico aos que assolam vastas áreas do mundo, onde se praticam políticas de sistemática redução da intervenção pública em benefício da chamada livre iniciativa; cada vez que algures um estado entrega a um reduzido número de cidadãos (nacionais ou estrangeiros) a tarefa de zelar por interesses colectivos, sejam eles ao nível da saúde, da educação, da distribuição de energia e água, de saneamento básico ou de transportes de proximidade, estão-se a criar as condições para, a prazo, se registar algo de semelhante.
Não é um problema de lixo... é um problema de políticas económicas desajustadas!
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[1] Há cerca de 15 anos que de forma cíclica se têm colocado problemas na recolha e tratamento dos resíduos urbanos na região de Nápoles. A última grande crise ocorreu em meados de 2007, altura em que as autoridades renovaram, uma vez mais, as intenções de resolver definitivamente a questão, com o desenvolvimento que agora se vê.
[2] As empresas que gerem as unidades de tratamento dos resíduos são remuneradas, pelos organismos públicos nacionais e comunitários, pelo serviço de separação e triagem e o processo de incineração, porque é gerador de combustível classificado como fonte de energia renovável, volta a ser alvo de contribuições financeiras (subsídios)dos mesmos organismos.
[3] As tentativas ensaiadas pelas autoridades italianas no sentido de procederem à incineração noutras regiões do país dos resíduos originados na Campania, têm-se confrontado com a forte oposição das populações uma vez que é público o facto das entidades e empresas napolitanas (controladas pela Camorra) não procederem à devida separação, o que na prática aumenta os riscos de libertação para a atmosfera de dióxinas e outros produtos tóxicos.
[4] Ver a propósito a notícia do DIÁRIO DIGITAL.
[5] A propósito desta situação em Nápoles, a BBC NEWS dava conta de que mais de uma vintena de países da UE não cumprem os normativos comunitários sobre o processamento de resíduos.
1 comentário:
Gostei muito do que você escreveu, embora não sou muito chegado em lixo,poluição... Aqui no Brasil estamos próximos de passar por um problema desses, pois, na minha singela opinião a nossa população esta despreparada, e nossas políticas governamentais sejam ineficientes; na grande maioria nossos políticos estão muito ocupados em roubar e não estão preocupados com esses problemas.
Nossas prefeituras deveriam ter por obrigação um programa de coleta seletiva, projeto esse que deve dar incentivo fiscal para que as famílias reciclem o lixo doméstico. E as empresas não deveriam ficar de fora, as que provassem que tratam e reutilizem a água, reciclem, investem em alguma forma de poluir menos deveriam receber incentivos também.
Abraço e parabéns pelo texto.
Gilvan Simão Nunes.
http://www.almasempunho.blogspot.com/
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