domingo, 13 de janeiro de 2008

CONTINUAMOS A SER TRATADOS COMO OTÁRIOS

Na sequência de um conturbado processo de “estudos” e “debates” em torno da questão da construção do NAL e após a conclusão do estudo encomendado pelo Ministro das Obras Públicas ao LNEC, eis que o Primeiro-Ministro anunciou a escolha da localização em Alcochete.

Independentemente das razões invocadas na circunstância e das muitas que os partidários daquela localização ou da primeiramente sugerida – Ota – creio que o fundamental do erro persiste.

Agora como anteriormente, o governo escolheu uma localização para a uma obra de grande envergadura (e ainda maior custo financeiro) sem que estivesse demonstrada a respectiva necessidade.

Quando às empresas e às famílias é pedido um esforço de contensão nos gastos, deveria, por maioria de razões, ser exigido ao Estado um esforço acrescido de zelo no interesse comum e numa objectiva demonstração da absoluta necessidade de investimentos vultuosos. Embora os nossos ministros continuem a invocar um próximo esgotamento do Aeroporto da Portela[1] para justificar a necessidade de construção de uma nova infraestrutura aeroportuária, mantenho todas as minhas dúvidas e reservas quanto à necessidade de mais esta obra faraónica, porquanto, tanto quanto sei:

  1. o estudo que fundamenta o esgotamento da capacidade do Aeroporto da Portela baseia-se num modelo que projecta o crescimento do tráfego aéreo em função de dados anteriores a fenómenos como o aumento exponencial do custo dos combustíveis, o fenómeno das companhias “low cost” nem os efeitos da nova ligação Lisboa – Madrid por TGV;
  2. não foi realizado qualquer estudo do tipo opção zero, ou seja, qual seria o resultado se não for construído qualquer novo aeroporto;
  3. não foi realizado qualquer estudo que contemplasse a manutenção do actual aeroporto e a criação de uma nova infraestrutura de baixo custo, destinada a acolher a actividade dos voos “low cost”.

O estudo realizado pelo LNEC partiu das premissas definidas pelo governo e limitou-se a comparar duas localizações alternativas para a nova infraestrutura, pelo que continuam a não existir estudos comparativos sobre as outras.

Apesar deste evidente atropelo à informação, a imprensa nacional continua a não questionar estas realidades limitando-se a dar conta das principais reacções, entre as quais se contam as que atribuem fundamental importância ao papel do Presidente da República, havendo mesmo quem assegure que Cavaco Silva foi determinante em todo este processo.

Alguns comentadores mais cautelosos, como Perez Metelo que vem chamar a atenção no DN para «...a necessidade de conhecer todas, mas mesmo todas, as alternativas possíveis para cada grande obra, que esteja por fazer. «...» De futuro, para poupar tempo e dinheiro dos contribuintes, é preciso questionar com maior exigência e no tempo certo» ou Mendo Castro Henriques que no PORTUGAL DIÁRIO recorda que na realização de estudos se gastaram «...quase 40 anos durante a maior parte dos quais predominou o secretismo dos relatórios, debatidos por especialistas. Mas a apresentação pública em Novembro de 2005 da escolha da Ota, despertou o que nunca antes se vira em 30 anos de Democracia: uma discussão generalizada sobre a relação entre os custos e os benefícios dessa infra-estrutura e as suas implicações para o futuro do país», sempre vão chamando a atenção para os ensinamentos a colher de todo este processo, ainda que fiquem por esclarecer muitos das movimentações que envolveram esta decisão porque na prática o governo de José Sócrates decidiu manter as opções definidas de forma autocrática em anteriores executivos e, prolongando o logro, vem agora anunciar mais uma grande obra nacional.

O futuro dirá se a melhor opção – a mais racional, a mais económica s e a que melhor serviria os interesses nacionais – não era a solução Portela+1. Para já as próprias declarações de José Sócrates, divulgadas pelo PUBLICO, que de imediato anunciou um programa de investimentos públicos com o objectivo de minimizar o impacto de uma decisão desfavorável para a região da Ota, confirmam a existência de interesses paralelos que ao longo dos anos foram sendo alicerçados à volta desta obra, enquanto ficam por esclarecer outras questões de igual importância económica e estratégica, como seja a do traçado da ligação do TGV e de se o governo pretende ou não manter a irracionalidade da construção da ligação Lisboa - Porto, agora que não haverá mais o aeroporto de permeio.

Se a mobilização gerada em torno da questão do aeroporto parece ter evitado, para já, um mal maior importa não a deixar esmorecer noutras questões tão importantes como a da definição da rede ferroviária nacional e o modelo de financiamento a utilizar para a construção do NAL; é que o governo português, perante a reconhecida situação de incapacidade financeira e na ânsia pela realização de mais uma grande “obra de fachada”, prepara-se para recorrer ao expediente da privatização da ANA[2] – empresa pública que gere as infraestruturas aeroportuárias nacionais – como meio para o financiamento do NAL, opção que além de financeiramente discutível[3] é politicamente inaceitável por se traduzir na transferência para a iniciativa privada de infraestruturas de natureza estratégica e que a prazo poderão ter decisiva influência em questões de Defesa Nacional.
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[1] Sobre o assunto ver estas notícias de meados do ano passado:
Aeroporto da Portela estará esgotado em 2011, diz WTTC
WTTC: Aeroporto da Portela esgotado em 2011
Portela: Governo diz que novo terminal irá adiar esgotamento do aeroporto
Capacidade do aeroporto da Portela vai esgotar-se até 2011
Aeroporto da Portela deverá esgotar-se em 2011
[2] A ANA, SA tem a seu cargo a gestão, exploração e desenvolvimento dos aeroportos de Lisboa (Portela), Porto (Francisco Sá Carneiro), Faro, Ponta Delgada (João Paulo II), Santa Maria, Horta e Flores.
[3] A este respeito ver os interessantes artigos de opinião de João Miranda, publicados no DN em 2 de Junho de2007 e em 12 de Janeiro de 2008:
QUEM PAGA A OTA?
UMA OTA ENCAPOTADA

1 comentário:

Carlos Gil disse...

caro Amigo Xarim: sempre achei que se deveria considerar a opção Portela + 2, ou seja: Tires adaptado às low coust, o militar da outra banda (n me recordo do nome, mas é lá prós lados do deserto) exclusivamente para carga - que, dizem os especialistas, é actualmente 40% do tráfego da Portela - e sobrava a velhinha Portela para todo restante até os nossos netos terem idade de fazer Inter-Rail aéreo :)
mas... gastava-se pouco com isto, não é? pois é... pois é...
abraço do je - que ainda fuma