sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

NOVAS TRICAS, VELHOS TRUQUES

Enquanto se aproxima a data da Assembleia Geral dos accionistas do Millennium BCP continuam a ser notícia regular as tricas e os truques que têm rodeado todo este imbróglio. Mesmo quando as coisas pareciam estar a querer acalmar com o anúncio de uma candidatura sustentada numa boa percentagem dos accionistas[1] não tardou a que surgisse um grupo alternativo, personificado por Miguel Cadilhe ex-ministro das finanças de cavaco Silve e ex-administrador do BCP entre 1997 e 2001[2], que além de afirmar apresentar uma alternativa à candidatura da equipa de Santos Ferreira ainda veio trazer o problema para uma nova esfera ao acusar esta de candidatura política.

Como se não bastassem todas as confusões que o Millennium BCP viveu neste último ano, com os diversos intervenientes a trocarem entre si as mais variadas acusações, apenas faltava trazer para a cena principal mais uma batalha entre PS e PSD, como se desta luta quase fratricida (não esquecer que os “banqueiros” pertencem todos à mesma família e que as diferenças entre “socialistas” e “sociais-democratas” são muito ténues) não saíssem quase todos a perder.

Mas o que verdadeiramente me motivou a retomar este tema foi a notícia, que hoje foi capa do PUBLICO, de que alguns dos principais accionistas do Millenniem BCP recorreram, no início de 2007, a financiamentos da CGD para reforçarem a sua posição no capital daquele banco.

Esta questão, além de poder recolocar novas dúvidas de natureza deontológica – aqueles financiamentos foram aprovados por alguns dos actuais membros da equipa proposta por Santos Ferreira, entre os quais o já muito polémico Armando Vara – deve ainda ser analisada numa outra perspectiva – a do uso de crédito bancário para o financiamento de movimentos especulativos nos mercados de capitais.

Mesmo admitindo que os membros das famílias Teixeira Duarte e Moniz da Maia tenham recorrido àquela solução para reforçar as suas posições de investidores, já a de Joe Berardo dificilmente poderá ser qualificada da mesma forma e a de Goes Ferreira, atendendo à suas relações preferencias com Jardim Gonçalves (recorde-se o tal “negócio” dos offshores financiado pelo BCP) pode muito representar uma “troca de favores” entre “banqueiros”.

De uma forma ou outra, os factos relatados e não desmentidos indiciam que os mais de 500 milhões de euros que a CGD financiou dificilmente poderão ser qualificados de operação normal de crédito, seja pelos intervenientes seja pelo tipo de garantias usadas na operação – as próprias acções do BCP – seja pela própria finalidade do financiamento. Perante o quadro descrito que ninguém duvide de que o financiamento foi utilizado numa das inúmeras operações meramente especulativas que inflacionam as capitalizações bolsistas das acções[3], contribuem para aumentar as receitas dos corretores bolsistas e dos bancos mas não acrescentam qualquer valor à economia do país.

Por princípio nada tenho a opor a existência e à actuação de especuladores
[4] nos mercados de capitais, mas não posso de modo algum permanecer indiferente quando estes arriscam nas suas transacções não o seu capital mas o proveniente de empréstimos que contraem junto dos bancos. Para melhor se entender esta minha repulsa recordo que as crises que tradicionalmente assolam as bolsas mundiais resultam de subidas anormais (sem qualquer fundamentação nos resultados da actividade das empresas) nas cotações dos títulos, normalmente geradas por movimentos especulativos sem qualquer relação com a realidade da economia nem com a situação económica das empresas, originados em actuações mais ou menos concertadas entre os agentes especuladores e que forçosamente acarretarão prejuízos entre os investidores mais incautos ou mais facilmente atraídos pela miragem do lucro rápido e fácil.
_______________
[1] Sobre este assunto ver o recente post «OS DEUSES DEVEM ESTAR LOUCOS»
[2] Confirmar o currículo de Miguel Cadilhe no portal da Ordem dos Economistas.
[3] A capitalização bolsista é o valor de mercado da empresa ou cotação multiplicada pelo número de acções.
[4] Especuladores são os agentes financeiros que actuam nos mercados de capitais tendo por objectivo a mera obtenção de lucros resultantes da compra e venda de activos, revelando reduzida preocupação quanto ao real valor dos activos que transaccionam. Habitualmente é reconhecida a sua utilidade, porquanto é à sua actuação que se deve boa parte da liquidez existente nos mercados de capitais.

Sem comentários: