quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

ESTÁ A SER CADA VEZ MAIS FÁCIL CRITICAR OS BANCOS

Na actual conjuntura todos os olhos parecem focados nos bancos e, infelizmente, nem sempre pelas melhores razões.
Como escrevia Luísa Bessa num recente artigo no JORNAL DE NEGÓCIOS, é actualmente fácil atacar os bancos, mas a questão que correctamente deve ser colocada vai muito além das políticas de crédito e de remuneração dos depósitos ou dos exagerados lucros que o sector costuma apresentar. Hoje, a par com questões como a da lógica interna ao modelo de funcionamento do sistema bancário é preciso ainda levantar questões de natureza ética e estas são tanto mais imperiosas quão frágil se tem mostrado a actuação do Banco de Portugal na vigilância da própria deontologia da actividade.

Numa conjuntura em que tudo indica estar-se perante o início de um novo período de recessão económica é perfeitamente natural que muitas atenções se centrem na área financeira, seja pela sua responsabilidade directa no despoletar da crise (porque dela dependem inúmeras empresas e famílias), seja porque dela se esperam exemplos de comportamento ou porque das estratégias que defina dependerá o futuro da generalidade das economias, mas actualmente parece-me bem mais relevante trazer para o debate questões que derivam de um sentimento de quase total ausência de ética no sector.

Quando no panorama internacional se assiste ao sucessivo anúncio de prejuízos pelos maiores bancos americanos (algo até agora absolutamente impensável) e à sua abertura a capitais asiáticos e sauditas[1], em que se renovam velhos receios de “corridas aos bancos”(como aconteceu com britânico Northern Rock[2]) e em que sobe o tom das críticas às suas políticas e práticas de crédito, enquanto no capítulo interno se somam a estes os grandes e pequenos escândalos que a propósito de “reformas” e mudanças de administradores dos bancos nacionais vão chegando ao conhecimento público, nem por isso parecem ter diminuído os prémios recebidos pelos banqueiros. A avaliar por uma notícia do LE MONDE, no último ano os cinco maiores bancos de Wall Street distribuíram 66 mil milhões de dólares em prémios (mais 9% que em 2007) e isto num ano em que os resultados deixaram muito a desejar.

Sendo certo que a crise do subprime já custou o lugar aos “patrões” do Citigroup, do Merrill Lynch e do Bear Stearns[3], nem por isso a nomeação dos seus substitutos foi rodeada de grande polémica. A avaliar pelas notícias que circularam na imprensa aquelas substituições foram obviamente acompanhadas de chorudas contrapartidas[4] tanto ou mais generosas que as atribuídas ao conjunto dos ex-administradores do Millennium BCP dos quais se diz que o ex-administrador afastado na sequência das polémicas que rodearam o fracasso da OPA sobre o BPI - Paulo Teixeira Pinto - recebeu 10 milhões de euros e ainda o compromisso de receber até final de vida uma pensão anual equivalente a 500 mil euros, enquanto sobre as condições em que foram acordadas as saídas de Jardim Gonçalves, de Filipe Pinhal e dos restantes administradores ainda paira um silêncio, mas a avaliar pelas benesses recebidas pelo primeiro, também não deverão ter saído de “mãos a abanar”.

Quanto à dança de cadeiras em que foi transformada a nomeação da nova administração do Millennium BCP – por mais que os intervenientes e os comentadores da ordem digam o contrário, dificilmente alguém acredita na transparência de um processo que se traduziu na “transferência” de três dos administradores da CGD para o BCP – é uma polémica que ainda se encontra longe de encerrada. Ao despudorado pedido de concessão de uma licença sem vencimento a Armando Vara (intenção que como o PS, partido de que aquele é filiado, defende nada apresenta de ilegal[5], mas que ao que parece o visado já terá desistido da ideia[6]) acrescem ainda os pouco claro contornos da “transferência” noticiada pelo EXPRESSO de Maldonado Gonelha para a administração de uma fundação recentemente criada pela CGD.

Quando quase só falta saber do futuro destino de Celeste Cardona (ex-administradora da CGD não reconduzida na nova equipa liderada por Faria de Oliveira) pouco restará para especular sobre a questão, mas muito se deve questionar em torno de todas estas movimentações, às quais nem sequer faltou a intervenção do líder do PSD lembrando um velho pacto de divisão de influências entre PS e PSD, envolvendo o Banco de Portugal e a CGD.

A propósito desta última é normal ouvir-se questionar o mérito de algumas das personalidades nomeadas para a respectiva administração, pois muitas vezes (demasiadas mesmo) surgem nomes cujo mérito é demasiado ténue para aquelas funções. Assim foi e, infelizmente, será enquanto perdurar no país a prática de nomeações muito pouco baseadas no mérito e quase exclusivamente orientadas para outras motivações associadas a filiações (políticas e/ou noutro tipo de associações) e outros “credos” que não os da competência e integridade.
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[1] Ver a propósito esta notícia da BBC.
[2] Sobre os desenvolvimentos em torno da difícil situação deste banco, ver esta notícia do LE MONDE.
[3] Charles Prince, do Citigroup, foi substituído por Vikram Pandit, Stan O’Neal, do Merril Lynch, por John Thain e James Cayne, do Bear Stearns, por Alan Schwatrz
[4] Segundo a CNN, Stan O’Neal terá recebido mais de 160 milhões US$, já a compensação recebida por Charles Prince, segundo o TIMES ONLINE, não deverá ter alcançado os 100 milhões de US$ e Charles Cayne apenas abandonou as funções executivas, conforme noticiou a BBC.
[5] Ver esta notícia do JORNAL DE NEGÓCIOS.
[6] Ao que noticiou o DIÁRIO ECONÓMICO, Armando Vara manifestou-se disponível para renunciar ao vínculo à CGD, caso viesse a integrar a nova administração do Millenniem BCP.

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