quarta-feira, 30 de novembro de 2016

O NÓ

Pese embora a inegável habilidade que António Costa demonstrou ao longo deste último ano (começando no processo negocial que levou à formação dum inédito governo com apoio da esquerda parlamentar, passando pela negociação com Bruxelas de assuntos delicados como o orçamento e a recapitalização da CGD e acabando na evitável polémica das sanções comunitárias), o muito que se disse e escreveu sobre o processo de recapitalização da CGD e da nomeação duma nova administração que procurou por todos os meios eximir-se à obrigação legal de entregar as obrigatórias declarações de rendimentos e património, acaba por constituir o único escolho no seu percurso.


A demissão de António Domingues (o nome escolhido para liderar uma equipa vinda quase exclusivamente do BPI) tornou-se inevitável e pela sua demora acaba por atirar sobre si uma responsabilidade que deveria ser distribuída pelo Governo e por uma oposição que à míngua de capacidade e de motivos acabou por usar o problema para tentar desgastar o governo de António Costa.

Resta agora esperar que este desate mais um nó – nomear nova administração – para avaliarmos até que ponto a real preocupação de PSD e CDS, que enquanto parceiros no anterior governo forçaram a CGD a vender a sua participação na CIMPOR abaixo do preço de mercado, assistiram (sem qualquer sinal de preocupação) ao acumular de prejuízos e a obrigaram a recorrer às ajudas ao abrigo do programa da troika (quando à evidência o que necessitava era dum aumento de capital),  não vai além do velho desejo de ver a CGD privatizada.

sábado, 26 de novembro de 2016

FIDEL CASTRO

A notícia da morte de Fidel Castro tomou hoje de assalto os meios de informação. Esperada,dado o evidente estado de degradação física daquele que dirigiu uma revolta nacionalista contra o governo de Fulgêncio Batista. A reacção do vizinho norte-americano à substituição dum regime oligárquico e favorável ao domínio económico que vinha exercendo sobre o território, acabou por forçar Fidel e o novo governo a uma aproximação à União Soviética, transformando-o no “perigo comunista” que a crise dos mísseis de Cuba (episódio famoso da Guerra Fria, originado na intenção da URSS  instalar mísseis com ogivas nucleares a escassas milhas da costa americana) confirmaria.


Ainda anterior a este episódio foi a imposição pelos EUA, em 1960, dum bloqueio económico em retaliação pela nacionalização de interesses norte-americanos na ilha, entre os quais, diga-se, se destacava a importante indústria do jogo (sob controlo da máfia) e que perdura até à actualidade. Bloqueio que agravou as condições de vida da generalidade do povo cubano e a implosão da URSS (no início da última década do século passado) transformou num total isolamento da ilha.

Esta morte, por muitos ansiada como potencial fim dum bloqueio desumano, foi celebrada com fogo de artifício e vivas a Donald Trump por milhares de cubanos radicados na Florida, muitos dos quais têm beneficiado do lucrativo contrabando que o bloqueio imposto pelos EUA alimenta e que agora esperam participar na renovação dum país que muito terá a ganhar com a normalização das relações comerciais, mas igualmente a recear do regresso dos “interesses” que levaram a que, no tempo de Batista, a ilha fosse conhecida como o bordel da América.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

O MESMO ERRO DE SEMPRE

Na sessão de abertura do Fórum Banca 2016, promovido pelo Jornal Económico, o Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, elencou «Os erros que a banca não pode voltar a cometer», assim sintetizados:
  • excesso de crédito arriscado;
  • concessão de crédito para compra de participações sociais;
  • subavaliação do risco de crédito e maximização da concessão de crédito para obter resultados no muito curto prazo;
  • financiamento de sectores demasiado dependentes da capacidade de endividamento dos clientes;
  • excesso de financiamento a empresas com baixos capitais próprios;
  • demasiado crédito a particulares com elevada exposição ao ciclo económico;
mas pouco ou nada disse sobre a forma de corrigir esses erros. Claro que não deixou de lembrar que «Os bancos “não são uma empresa qualquer”», mas não o afirmou para sustentar o endurecimento das regras de supervisão nem para defender qualquer alteração significativa.


Tal como referi no comentário que fiz a um paper de Carlos Tavares (ver o post «AINDA A ECONOMIA DE CASINO»), repete-se aqui a situação em que a uma avaliação das causas não sucede nenhuma conclusão construtiva, nem sequer uma proposta para a resolução do crédito malparado, que o próprio Banco de Portugal estima em 21 mil milhões de euros.

De forma quase asséptica, Carlos Costa branqueia a responsabilidade dos banksters nacionais (os mesmos que acusa de terem concedido demasiado crédito de alto risco, quando não destinado a meras manobras de concentração accionista, e orientado para ganhos imediatos, ou seja altamente especulativos) e na qualidade de regulador dum sector económico que se arroga um estatuto especial escuda-se atrás do argumento daquele não ser um problema exclusivamente nacional para repetir a táctica de “assobiar para o lado” e sair o melhor possível na “fotografia de família” que perpetuará certamente mais este areópago de especialistas financeiros.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

AINDA A ECONOMIA DE CASINO

Foi o artigo de Nicolau Santos, «A caminho de uma nova e mais violenta crise», que me levou à leitura do paper de Carlos Tavares «A CRISE FINANCEIRA: APRENDEMOS AS LIÇÕES?», onde o presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários deixa a sua análise sobre a crise financeira despoletada em 2007/2008.

Não sendo um tema novo neste espaço (deixo à curiosidade e paciência individual a pesquisa dos inúmeros posts escritos desde 2008 sobre o assunto) o regresso ao tema justifica-se, que mais não fosse, pelo facto de partilhar as preocupações de Carlos Tavares e muito particularmente a formulação que delas faz Nicolau Santos quando põe a ênfase numa possível repetição do fenómeno. Nas palavras deste, a análise de Carlos Tavares resume perfeitamente o que temos vivido quando diz: «Os bancos deviam ser mais pequenos? Pois tornaram-se maiores. Os Estados, famílias e empresas deviam diminuir o endividamento? Pois estão mais endividados. Os mercados deviam ser mais regulados? Pois não se melhorou nada. Os produtos financeiros deviam ser mais transparentes? Pois estão de regresso os produtos cujo risco ninguém consegue medir. Bancos, auditores e agências de rating deviam mudar de comportamentos? Pois voltaram ao “business as usual”», ou talvez pior quando constatamos que não só continuam a transaccionar-se enormes volumes de produtos derivados (os tais de elevada complexidade e difícil avaliação do risco intrínseco) como estas transacções são preferencialmente executadas fora dos mercados regulados e completamente invisíveis nos balanços dos bancos.

Por isso, se a análise das origens da crise feita por Carlos Tavares parece minimamente aceitável, já a solução proposta para evitar nova crise – o reforço da coordenação entre supervisores, bancos centrais e agentes políticos – afigura-se resposta pífia e tão piedosa quanto as tonitruantes declarações proferidas por esses mesmos agentes no auge da crise de 2007/2008, que, digam o que disserem os panegiristas do costume, ainda hoje continuamos a atravessar e cuja solução permanece dependente de decisores tíbios ou enfeudados aos interesses da economia de casino elevada pelos banksters de todo o mundo à categoria de deus ex machina da existência humana.


Embora não estranhe, é lamentável que Carlos Tavares, conhecedor como mostra dos meandros e dos sofismas dos mercados de capitais, reduza à qualidade profissional e ética dos agentes de mercado a via de solução que não pode deixar de passar pela reformulação e endurecimento das regras de funcionamento dos mercados (veja-se a mero título de exemplo o completo absurdo que é o de permitir a negociação ilimitada de contratos de produtos derivados sobre bens e serviços de produção limitada) e a recuperação da velha regra de separação entre bancos comerciais e bancos de investimento (impedindo aos primeiros o acesso ilimitado aos mercados de capitais e aos segundos a recepção de depósitos do cidadão comum)... mas isso, depois da eleição dum reconhecido especulador como Donald Trump para a presidência dos EUA, parece cada vez mais distante.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

LEONARD COHEN


Leonard Cohen não escreverá mais aquelas Canções de Amor e Ódio com que nos foi maravilhando ao longo dos anos.

Canadiano, de ascendência judaica, surgiu no universo da música quando já era reconhecido como poeta – Let Us Compare Mythologies (1956), The Spice-Box of Earth (1961), Flowers for Hitler (1964) e Parasites of Heaven (1966) – e escritor com créditos firmados; os seus dois livros em prosa (The Favourite Games, de 1963, e Beautifull Losers, de 1966, obra que levou o prestigiado Boston Globe a compará-lo a James Joyce) são anteriores ao seu primeiro trabalho discográfico: Songs of Leonard Cohen, de 1967.


Das mais de duas dezenas discos editados, incluindo 5 colectâneas e 7 gravados ao vivo, ficarão na memória colectiva temas como Suzanne, Halleluja, First We Take Manhattan, Dance Me To The End Of Love ou So Long, Marianne, que na sua voz e inconfundível interpretação se revelaram intemporais e manterão Cohen bem vivo entre nós.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

TRUMPLAND

No rescaldo da noite eleitoral norte-americana até poderia dizer, como Ricardo Costa escreveu no EXPRESSO, que «Trump não é o princípio nem o fim do mundo. Mas é outra coisa», o que me leva a ter uma leitura diversa duma eleição que à partida pareceria improvável, mas nunca poderia ser apresentada como impensável.

Claro que existe o perigo real de ver Trump transformar os EUA numa Trumpland, mas uma observação mais atenta do fenómeno que foi o resultado da votação britânica sobre a permanência na UE (se é que alguma vez o Reino Unido foi convictamente parte integrante da União) e das reacções dos que já vão dando conta da profunda diferença entre votar contra ou votar com conhecimento, talvez dentro em pouco muitos dos que agora votaram pela “mudança” venham a perceber que isso não existe.


Donald Trump (e outros fenómenos idênticos que por esse mundo fora vão surgindo) é mais um puro produto duma sociedade de consumo mediático. Trump não é um político nem mostrou ter qualquer ideia estruturada de mudança; Trump é o Berlusconi dos EUA (mas este também foi primeiro.ministro de Itália), se é que não será também o Boris Johnson do Reino Unido (aquele que depois de vencer o referendo sobre o brexit não sabe o que fazer com ele). Em resumo: Trump é Trump e a probabilidade de defraudar completamente as esperanças que nele colocaram é mais que grande ou enorme, é certa, pois o Trump que se apresentou ao eleitorado com uma espécie de paladino da luta contra o establishment, mais que um seu produto é o lídimo representante do que o mundo dos negócios tem de pior no que respeita ao laxismo e ao oportunismo. Ao contrário do que gosta de aparentar Trump não integra o muito apreciado paradigma do self made man (particularmente grata à mentalidade protestante da elite WASP e mito permanente nos EUA) nem construiu outro império que não o baseado na especulação imobiliária.

O pior é que nos tempos actuais, tempos de grande crise económica e ainda maior crise de valores que apresentam enormes semelhanças com os vividos no início do século passado e que estiveram na origem de grandes movimentos anti-democráticos, não podemos esquecer, como escreveu Daniel Oliveira em «Ponto sem retorno», que foi permitido a «...um privilegiado de recorte fascista a liderar o descontentamento popular e a transformá-lo em poder pessoal».

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

VÉSPERA ELEITORAL

Na véspera dumas eleições americanas que há uma semana pareceram voltar a reanimar as hipóteses e que davam «Trump à frente de Clinton. Sondagem dá vantagem de 1% a candidato republicano», quando dados das últimas horas indicam que «Clinton lidera sondagens com vantagem de três a quatro pontos» mantém-se em aberto a expectativa e reacende-se a polémica em torno de anteriores resultados, como o da eleição em 2000 que opôs o democrata Al Gore ao republicano George W Bush.


Já em 2012 referia no post «ELEIÇÕES E FARSAS ELEITORAIS» que “...o farol da democracia mundial tem o seu presidente eleito por um colégio eleitoral e não pelo voto directo da sua população. E ocasiões houve em que o candidato eleito pelo colégio foi o que recebeu menor número de votos dos eleitores (a farsa vai ao pormenor de pôr o eleitores a votar num candidato quando na realidade estão a eleger os delegados estaduais ao Colégio Eleitoral), como sucedeu em 1876 quando o candidato republicano, Rutherford B. Hayes, foi eleito apesar do seu oponente, o democrata Samuel J. Tilden, ter obtido quase 300.000 votos a mais; novamente em 1888, o candidato democrata Grover Cleveland obteve cerca de 100.000 votos a mais que o republicano Benjamin Harrison que viria a ser eleito; mas a pior e mais discrepante situação ocorreu em 2000 quando o democrata Al Gore foi preterido a favor do republicano George W Bush apesar de ter obtido mais 500.000 votos.

A explicação para estas discrepâncias resulta da distribuição estadual dos representantes poder distorcer o somatório de votos individuais dos cidadãos; o facto de todas as vezes terem sido os candidatos republicanos a beneficiar será meramente acidental, ainda que no caso de George W Bush nunca se possa esquecer que a maioria dos membros do tribunal que decidiu a seu favor tenha sido nomeada durante a presidência de George Bush (pai)”.

Mesmo agora muitos comentadores e políticos - incluindo o ex-presidente Jimmy Carter – continuam a acreditar que em 2000 o Supremo Tribunal ofereceu injustamente a eleição a Bush, numa decisão que muitos classificaram como a pior decisão de sempre daquele órgão judiciário.

Muitos liberais também acreditam que o "Brooks Brothers Riot" contra a recontagem foi uma manobra perpetrada por operacionais republicanos de alto nível (a própria designação do movimento que se manifestou contra a recontagem dos votos no Estado da Florida alude a uma conhecida marca de fatos então muito popular entre os executivos), mas o elefante na sala que a maioria dos democratas se recusam a admitir é a fraude eleitoral. Isso é estranho, já que há provas substanciais de que esta tem sido generalizada nos EUA nos últimos anos.

E não o admitem por todos (Democratas e Republicanos) beneficiarem duma falsa aparência de eleições livres e justas, o que pode ser visto como a aceitação do status quo num sistema de eleições baseadas no poder do dinheiro (em 2008 escrevi no post «O QUE REPRESENTAM AS ELEIÇÕES AMERICANAS» que na “...presença de um intrincado processo eleitoral que normalmente se inicia com mais de um ano de antecedência faz todo o sentido tentar compreender as razões que sustentam a sua manutenção. Para muitos poderá servir a invocação da dimensão continental do território da União para justificar o processo e a sua morosidade, para outros o tradicional gosto americano pelo espectáculo também terá o seu peso, mas pessoalmente estou em crer que a real razão para tudo isto é tão somente a necessidade de assegurar a eleição do candidato certo!

Se não vejamos... que melhor forma haverá para as grandes empresas e os interesses económicos para assegurar a maior conformação do presidente às suas “necessidades” que obrigar os candidatos a dispor de colossais meios financeiros para suportar a realização de duas campanhas eleitorais (as primárias e a eleição geral) e um sistema eleitoral de por via indirecta?
(...)
Quem honestamente poderá esperar dos candidatos que recolheram milhões de dólares de fundos alguma independência face aos interesses económicos que financiaram as suas campanhas e a eleição?

Pessoalmente apenas conheço outro mecanismo mais eficaz para assegurar a impossibilidade de alguém ser eleito fora deste circuito de interesses – a ascensão ao poder por via hereditária ou mediante o recurso ao poder militar) e, sabendo que o país regista uma taxa habitual de abstenção entre os 55% e os 60%, numa tentativa para não minar ainda mais a confiança dos eleitores no processo "democrático" americano.

Assim, as eleições nos EUA (como a de amanhã) continuarão a apresentar-se como uma oportunidade igual para ambas as partes manterem uma farsa democrática nacional em que o dinheiro conta mais do que a verdade, ou, numa visão mais cínica, porque quer a “liderança” democrática quer a republicana acreditam poder bater o “adversário” numa eventual trafulhice eleitoral semelhante à de 2000.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

OS “ARTISTAS”

A repetição de casos de falsas declarações de habilitações literárias entre a classe política nacional é um sinal de degradação de valores básicos que deveria ser devidamente interpretado e merecer uma reacção adequada, que não a da habitual chicana política onde poder e oposição usam hoje os argumentos que antes contestaram.

A recente demissão de dois membros do governo de António Costa - Rui Roque e Nuno Félix, respectivamente adjunto do gabinete do primeiro-ministro e chefe de gabinete do secretário de Estado da Juventude e Desporto – trouxe inevitavelmente de volta o caso Miguel Relvas – o ministro do governo de Pedro Passos Coelho que obteve um diploma académico graças a um regime especialmente favorável de equivalências – o que motivou o vice-presidente do grupo parlamentar do PSD, Carlos Abreu Amorim, a falar em "artistas" que tentam "pateticamente" comparar as licenciaturas falsas, como se a canhestra mentira dos de agora fosse coisa substancialmente mais grave que a esperteza saloia do seu correlegionário.

No essencial estão bem uns para os outros e casos como estes repetir-se-ão enquanto continuarmos a aceitar de forma pacífica a substituição de valores morais e éticos, como a integridade e o respeito próprio, por valores da moda como a ganância e o primado do sucesso a qualquer preço...


...que estão a minar a credibilidade da própria democracia.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O PEDRO, O LOBO E OS BOBOS

Apesar de muito conhecida a história do jovem pastor que se divertia alarmando os demais com a ameaça do lobo, parece haver ainda quem insista na ideia de que repetindo um desejo até à exaustão este acabe por se concretizar.


Desde o anúncio da formação do actual governo que as figuras (e os figurões...) associados ao anterior não têm parado de vaticinar o seu fim iminente; assim foi com o Orçamento para 2016, com a avaliação que dele faria Bruxelas, com as revisões do rating, com as sanções de Bruxelas, com... o que quer que seja que sirva para anunciar um vislumbre de regresso ao modelo de governação assente na “austeridade expansionista” tão cara aos neoliberais nacionais e europeus.

Assim voltou a suceder com a revelação da proposta de Orçamento para 2017, que logo que conhecida dela disse o inefável Marques Mendes que o «OE 2017 é “o princípio do fim da geringonça”», profetizando uma desagregação da coligação parlamentar mas nem uma referência ao facto daquele poder ser um orçamento subscrito por qualquer partido social democrata, a par com o anúncio que a «DBRS mantém rating de Portugal acima de ‘lixo’ com perspectiva estável».

Já antes daquele anúncio o NEGÓCIOS deixava antever que a «DBRS deverá manter "rating" mas ruído vai voltar», pois esta tem sido a estratégia recorrente de quem pouco ou nada tem para dizer – como é o caso de Pedro Passos Coelho (o ex-primeiro ministro e líder do PSD) para quem ora o «Orçamento é “embuste” que torna austeridade permanente» ora acusa o Governo de “fanfarronice” e assume que o país “já saiu da emergência” financeira – contra o actual governo; talvez mais comedido o ECONÓMICO já antecipa que a «“Geringonça” unida aprova Orçamento», algo que não irá impedir que continuem os alertas contra o lobo, lançados pelos pedros que continuam a julgar que todos somos bobos e que ainda se recusam a aceitar que a principal virtude da “geringonça” montada por António Costa reside no facto de estar a demonstrar que afinal havia alternativa à tal “austeridade expansionista” que nos venderam como via única para a nossa existência.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

ELEIÇÕES EUA

Pese embora mantenha integralmente, como que escrevi em 2008 no post «O QUE REPRESENTAM AS ELEIÇÕES AMERICANAS», que o complexo e moroso mecanismo eleitoral norte-americano mais não visa que assegurar a conformação do presidente eleito aos interesses das grandes empresas e dos potentados económicos que finaciam as campanhas eleitorais, a actual conjuntura (regional e global) justifica que se aprecie esta eleição como indicativo do estado do país e do Mundo.


Apesar da má qualidade, a campanha presidencial nos EUA tem a característica de deixar aflorar alguma liberdade de expressão, relacionada com a fractura da sociedade (incluindo o próprio establishment) em dois campos. Ora no caso da actual campanha ultra-polarizada, a separação habitual entre democratas e republicanos tornou-se um abismo de onde emergem imagens inesperadas do estado do país.

Assim, começaram a aparecer de repente artigos alarmistas sobre a economia dos EUA. Além do destaque político a que assistimos, há também o facto de que, por si só, a comunicação está a esgotar-se. Tomemos como exemplo os anúncios do Fed, onde Yellen consegue cada vez menos orientar os mercados com as suas declarações reconfortantes (quanto baste...) e os seus próximos aumentos das taxas que nunca mais chegam.

Com a eleição que se aproxima, torna-se impossível esconder os problemas anteriormente disfarçados nas boas notícia ou nas notícias estrangeiras – porque a eleição obriga o país a falar sobre si mesmo e a ver os seus próprios problemas. Estranhamente, é precisamente neste momento que as estatísticas de emprego mensal começaram a cair (com Maio a registar o pior mês, mesmo depois da revisão em forte baixa de Março e Abril, para a criação de empregos desde 2010), provocando um pequeno pânico que antecedeu uma reunião do Fed que planeava aumentar a sua taxa directora e que assim encontrou uma boa desculpa para nada fazer.

O mundo financeiro também começa a preocupar-se abertamente... mais de 10 biliões de obrigações soberanas apresentam agora taxas negativas, o equivalente ao PIB da zona euro que se transaccionam porque os especuladores antecipam que as taxas continuem a cair para assim obterem uma mais-valia com a sua venda mais cara (no mercado da taxa fixa o preço varia em sentido inverso da taxa); outro sinal é dado quando George Soros aposta na queda iminente dos mercados com a venda das suas acções para comprar ouro, ou quando a Goldman Sachs também antecipa uma forte queda nos mercados nos próximos doze meses e avisa que os mercados estão prestes a entrar no modo de "desespero", uma situação que lembra fortemente a de 2007...


Chovem os alertas sobre o estado da economia, talvez na esperança de evitar a repetição da tragédia de 2008 – que quase ninguém antecipou –, trazendo os actores económicos mundiais em seu socorro, mas desta vez os EUA enfrentam actores mais independentes, decididamente menos preocupados com o destino norte-americano e em grande parte focados nos seus próprios problemas. A China lança, de forma lenta mas segura, as bases dum novo mundo; a Rússia segue o seu caminho, sem se preocupar em agradar ao Ocidente; vendo aumentar as suas falências os produtores de petróleo norte-americanos parecem ter capitulado à guerra de preços conduzida pela OPEP.

Em resumo, a "aterragem forçada" da economia dos EUA, num remake hollywoodiano de 2008, não parece longe, tanto mais que, além do sector financeiro, há quem anteveja que as perspectivas para a economia real norte-americana também não são famosas, quem lembre que o endividamento (público e privado) está novamente ao nível do registado em 2008, que a taxa de emprego volta a subir (só 63% da população activa tem trabalho quando em 2000 essa percentagem era de 67%), que cerca de 45 milhões de pessoas (o valor mais alto de sempre) continuam abrangidas por um programa de apoio alimentar, que o sector de petróleo nem mantendo os baixos preços do petróleo pode ajudar a economia dos EUA, enquanto persiste o empobrecimento das famílias.

Nada disto constitui novidade, pelo que poderíamos continuar a retratar uma sociedade onde o desemprego, a pobreza, as falências e os problemas sociais se tornam cada vez mais relevantes. O pior é que todos estes elementos surgiram de repente nos meios de comunicação por causa dos interesses que se digladiam em torno das eleições de Novembro e não como resposta à necessidade de recolocar a economia e as pessoas numa via de progresso.

De alguma forma, a onda de más notícias e revelações colectivas sobre o facto de que os problemas não foram resolvidos nestes últimos 10 anos, estão a levar os eleitores a um profundo sentimento de desânimo e pode conduzir à tentação de passar a batata quente a Trump...

Até mesmo o resto do mundo está relativamente suspenso e incapaz de fazer qualquer coisa, senão preparar-se para o pior. Enquanto a Europa está a recuperar qualquer coisa (que mais não seja graças ao facto da imprensa norte-americana estar concentrada na sua política interna) e começa a resolver os seus problemas económicos (que não os seus problemas políticos), o Médio Oriente estará a resolver gradualmente as suas convulsões (como referi no post «TRÊS VISÕES PARA UMA REGIÃO»), a China e tomar paulatinamente o seu lugar na liderança global, todos continuamos suspensos da escolha dos eleitores norte-americanos e, como sabemos, a incerteza é grande. Combatendo essa incerteza e a sua dependência, como referem notícias da Bloomberg e do Telegraph que vão fazendo eco das vozes que denunciam as políticas japonesa e europeia de promoção dum dólar forte como contrárias aos interesses europeus e nipónicos, já vão surgindo chamadas de atenção para a necessidade de redefinição das políticas regionais, a ponto de até já o presidente da CE, Jean-Claude Juncker, ter feito referência à necessidade da UE rever a relação prática com a Rússia e não permitir aos EUA que ditem essa política.

Assim o crescente distanciamento entre os EUA e o resto do mundo, quer ao nível económico como político, deverá minimizar os efeitos da onda de choque da próxima crise, mas até lá muito continuará ainda dependente do eixo financeiro New York-Londres e duma UE que tarda em assumir uma postura esclarecida.

É esperar e ver...

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

MR. TAMBOURINE MAN

Quando em Maio deste ano recorri a um poema de Bob Dylan (o famoso THE TIMES THEY ARE A-CHANGIN') para ilustrar o desespero com que muito boa gente observa o quotidiano, estava longe de voltar a este emblemático poeta cantor norte-americano e ainda de o fazer por termos hoje sabido que o «Nobel da Literatura vai para Bob Dylan».


Embora a primeira área de eleição tenha sido a do Pop/Rock, este descendente de judeus russos (de seu nome verdadeiro Robert Allen Zimmerman) acabou por se notabilizar na área do Folk e do Blues (por assumida influência de Woody Guthrie), mas muito em especial pela temática das suas letras, que o levaram desde a canção de protesto – período onde se destacam Blowin' in the Wind e The Times They are A-Changin' que estão entre as canções consideradas verdadeiros hinos dos movimentos contra a guerra e pelos direitos civis – até visões mais pessoais e introspectivas.

Podemos aplaudir a escolha ou partilhar da ideia que «Bob Dylan não merecia» esta distinção, mas facto inegável é que marcou o panorama mundial da música e influnciou outros músicos, como os Creedence Clearwater Revival, Beatles, David Crosby, Stephen Stills, Graham Nash, Neil Young, Paul Simon, Tom Waits, Elvis Costello, Bruce Springsteen, Tom Petty, Ben Harper, Eric Clapton, Nick Drake, Tracy Chapman, U2... e tantos outros que o venham a ouvir com a atenção que ninguém pode negar que merece.

domingo, 9 de outubro de 2016

O MUNDO FALIDO

A publicação pelo FMI do seu boletim semestral “Fiscal Monitor” trouxe na semana que terminou a assinalável “novidade” de que a «Dívida privada vale 100 biliões de dólares no mundo».

Segundo os cálculos apresentados pelo FMI o valor para a dívida não financeira mundial (ou seja o valor devido pelos estados, as empresas e as famílias) ascenderá a 152 biliões de dólares, qualquer coisa como 225% do PIB mundial, dois terços dos quais (os tais 100 biliões) serão dívidas das empresas e famílias e o restante dívida pública. Daqui se infere que o agregado empresas e famílias representará mais de 140% do PIB mundial, enquanto os estados representarão pouco mais de metade daquela percentagem, o que ainda assim não deixa de constituir, no entendimento do FMI, um risco acrescido para a redução do processo de endividamento global.

Recordando a recente prática de conversão de “nacionalização” da dívida privada (o processo de saneamento financeiro e consolidação no sector bancário não tem sido outra coisa que uma privatização dos lucros a par de uma nacionalização dos prejuízos), entende-se o porquê da acrescida preocupação dos técnicos do FMI, em especial quando constatam que nas economias ocidentais (mercados do dólar e do euro) o peso da dívida pública ronda os 160% do PIB.


O que custa mais a entender é que as contas do FMI não acertam com as do IIF (Instituto da Finança Internacional) para quem a «Dívida global vale mais de três vezes a economia mundial», pois ao estimar a dívida global em 216 biliões de dólares, mais de 320% do PIB mundial, eleva para 162 biliões de dólares a dívida das empresas e famílias e estima em 54 biliões a das entidades financeiras, número que apresentado sem grandes explicações adicionais me deixa enormes dúvidas sobre a sua real dimensão, quando é sabido que as maiores instituições financeiras (as tais que se arrogam de “too big to fail”) têm mantido a prática de operações OTC (“over the counter”, ou seja sem registo em qualquer entidade externa às contrapartes) e fora do balanço (só são contabilizadas na data de maturidade) que são precisamente as que originam maior alavancagem ao negócio e onde os níveis de risco não conhecem limites.

Desconhecendo-se estes valores é possível admitir que o actual problema do Deutsche Bank não passe duma brincadeira de crianças ou o colapso do Lehman Brothers não tenha passado duma tempestade de Verão face ao tsunami financeiro que ninguém pode garantir não venha a ocorrer, enquanto for permitida esta opacidade no mundo financeiro.

É igualmente digno de nota que os grandes especialistas teçam comentários sobre o assunto do tipo dos ouvidos a Vítor Gaspar, director do Departamento de Assuntos Orçamentais do FMI e ex-ministro das Finanças português, para quem a «Dívida privada excessiva é um 'actor ruim'» e que embora reconheça que a crise financeira de 2008 se ficou a dever à tal transformação da dívida tóxica privada em dívida pública (que continua a ser a solução preconizada pelo FMI) e refira a necessidade duma “desalavancagem inteligente” da dívida, nada adianta sobre tal estratégia nem parece preocupado com os tais biliões de dólares por contabilizar. Bem mais curiosa foi a reacção de Manuela Ferreira Leite (também ela ex-ministra das Finanças) quando se afirmou "perplexa"com o estudo 'inconsequente' do FMI, por, espanto dos espantos, assim parecer que o mundo está para falir...

terça-feira, 4 de outubro de 2016

O BANCO QUE NÃO PREOCUPAVA

Não terá havido quem não se recordasse dumas declarações de Wolfgang Schauble, o ministro alemão das finanças, quando em finais de Junho repetiu o que dissera no início de Fevereiro, quando afirmou «“Não estou preocupado com o Deutsche Bank”», para logo acrescentar que estava era preocupado com Portugal... depois de se saber que «Deutsche Bank e Santander falham testes de ‘stress’ norte-americanos».e quando se avolumavam as notícias sobre “problemas” na banca europeia. E não eram apenas «Um enorme "Monte dei" problemas» (numa alusão à delicada situação do centenário banco italiano, Monte dei Paschi de Siena), como se confirmaria quando as autoridades norte-americanas anunciaram que fora o «Deutsche Bank condenado a multa recorde de 14 mil milhões de dólares», pela sua participação na crise do subprime, em 2008.

Esta, aliás, não é uma situação inédita para o banco alemão (nem para a generalidade dos grandes bancos, os tais que se dizem “too big to fail”...), pois já em 2015 fora o «Deutsche Bank multado em 2,5 mil milhões por manipular taxas Libor»; nada de novo, pois, salvo a desproporção entre a multa anunciada e a que foi recentemente acordada com o Goldman Sachs, apenas 550 milhões de dólares... Esta crença no favorecimento dos grandes bancos já levou até que o «Goldman Sachs estima que Deutsche Bank pague coima até 7,2 mil milhões de euros», cerca de metade do “acordado” com o Bank of America, que pagou 16 mil milhões de dólares.


Ainda esta nova contrariedade não tinha sido conhecida e já no final do primeiro semestre se soube que os «Lucros do Deutsche Bank caem 98% para 20 milhões de euros», depois de um ano antes ter registado prejuízos recorde de €6,2 mil milhões, facto que obviamente reforçou uma imagem onde o «Deutsche Bank assusta com "alertas já indisfarçáveis"». Tão indisfarçáveis que na própria Alemanha surgiram notícias que, ao contrário do Sr. Schauble, estaria o «SPD preocupado com o Deutsche Bank» (o SPD é o parceiro de governo da Srª. Merkel) e que haveria «Deputados alemães relutantes em pôr dinheiro dos contribuintes para salvar o Deutsche Bank», declarações que terão levado ao anúncio oficial que a «Alemanha não vai resgatar Deutsche Bank»!

Tonitruante, é certo, mas quase seguramente com o mesmo valor doutras declarações do mesmo jaez, tanto mais que se a situação do Deutsche Bank é delicada e, após «Derrota histórica de Merkel em Berlim», a posição política da Srª Merkel está cada vez mais fragilizada, não é menos verdade que a economia alemã não absorverá com facilidade um “buraco” daquela dimensão e pior... cada vez se faz sentir mais o efeito das taxas negativas sobre as caixas económicas alemãs (sparkasse) que são instituições clássicas de poupança.

Não nos espantemos se depois dos contribuintes da Europa do Sul terem sido chamados a resgatar a banca francesa e alemã, venhamos a ser todos convocados para salvar a Alemanha... aquela orgulhosa Alemanha que aconselhou os gregos a venderem as suas ilhas para pagarem as dívidas!